domingo, 13 de abril de 2025

Ramos hodiernos

 

Por Mirinaldo 

E abrem-se os portões de Netanyahu. 
E entra o homem do mundo sob miras bélicas, 
Sob olhares ávidos, 
Sob aclamações de abastados, 
Sob bíblias que se abrem e se fecham,
Sob os botões atômicos das potências, 
Sob o choro ignóbil dos nazifascistas religiosos, 
Sob as lágrimas dos extremistas, 
Sob o olhar dos príncipes que almejam um grande jantar 
Junto ao rei. 
E adentra os muros da morte. 
E o filho-rei já sente 
Em seu coração 
O palpitar anunciante 
Dos banquetes dos traidores. 
Dos que reviram 
As páginas sagradas procurando dólar 
E subjugação aos
Imperialistas. 
Mas os céus 
Não obscurecem 
O traslado do rei 
Pois a Jerusalém dos ímpios 
Que ceifa as almas 
Das crianças 
Será subjugada 
No momento certo. 
Que entre logo 
O rei dos judeus 
Pois a alma dos 
Verdadeiros pobres 
O aclama em nome 
Da justiça verdadeira. 
Entre, Messias!
Mas o verdadeiro, o filho do grande rei.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

SE É ALUNO, TEM QUE ESCREVER


Por Mirinaldo

Já imaginou o médico não saber consultar? Ou um pescador não saber usar o anzol? Pois assim é o aluno que não escreve. Um dos grandes motivos que levaram os candidatos a terem um resultado tão preocupante na redação no Enem 2024 é o fato de os alunos só produzirem redação no ensino médio, ou seja, muito tardiamente. E é verdade. Muitos professores não cobram produção textual em sala de aula. Muitos mesmo. Alguns, quando solicitam textos, fazem-no valendo poucos pontos e se prendem a correções superficiais priorizando alguns aspectos em detrimento de outros. 
Aluno está alfabetizado, então tem que escrever! Ou se alfabetiza para quê?
Vamos direto aos pontos sobre a escrita:
1. Todos os alunos, desde a alfabetização, devem escrever textos de gêneros diversos.
2. Todo professor deve cobrar produção textual em seu componente curricular.
3. Todos os professores de Língua Portuguesa devem cobrar a produção escrita em cada bimestre, ou seja, no mínimo quatro produções por ano.
4. A redação deve valer, no mínimo, cinco pontos (ao menos para os professores de LP).
5. Todo professor deve corrigir a escrita do seu aluno.
6. Todo professor deve ensinar e cobrar um gênero textual capaz de avaliar o aprendizado do seu aluno – por exemplo, a elaboração de respostas, o resumo, a dissertação expositiva, fichamento.
7. As primeiras produções, logo no início da alfabetização, podem ser feitas com lápis, mas depois devem ser escritas de caneta.
8. Vitória do Xingu dispõe de programa próprio, o Plano Municipal de Ensino, portanto, deve ser seguido.
9. Vitória do Xingu dispõe de critérios de correção e de pontuação unificados de redação, portanto, deve ser usado como parâmetro nas correções. 
Por fim, devemos mentalizar: uma das mais importantes marcas do aluno é a sua produção textual. 

Excelente aluno, excelentes textos!

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Um dia futuro


Por Mirinaldo

São 7h35. Estou na sala. Sala de aula. Já passei pelo corredor, pela sala dos professores e agora estou na sala... de aula. Começo a aula. Ligo o data show. Ligo cabos, computador, procuro o conteúdo (hoje é chamado de objeto de conhecimento). Fiquei sabendo que um professor faltou, está doente. Muito doente. Doente dos anos carregados pelo árduo pesar das suas lentes. Faltou. Sugestão: reunir as duas turmas. Vamos lá. Duas turmas lembram o dobro. O dobro são muitos alunos. Sala lotada. Dou-lhes um bom-dia, e saio entre eles para organizar as filas para acomodar os outros colegas que vêm da outra sala onde não houve aula porque o professor está doen... (Ops! Já falei isso – são os anos, meus vinte e oito anos de magistério que me roubam, aos poucos, a memória, um pouco menos dos anos do professor que está... doente). A aula segue. Assunto principal: o futuro dos alunos. Sim, quero dizer o Enem deste ano. Eu tenho que pensar e agir com eles. Eles não conseguem sozinhos, por isso eu sou o seu professor. A aula é sobre como ingressar na UFPA, universidade pública, rainha do Norte. Eu defendo as públicas. E estou diante de quem eu imagino um dia estar lá. Saí de casa e meus filhos ficaram dormindo (hoje não houve aula para eles). Neste exato momento, aqui nesta sala, nem sei se já acordaram. Eles também têm futuro. Mas agora eu tenho o dever moral de não falar deles, mas focar o futuro dos filhos dos outros. Nem sei quantos pais tratam de futuro em casa. Então cada minuto conta para eu abordar sobre como posso orientar meus alunos a terem uma vida que os torne bons cidadãos, que eles prosperem profissionalmente. Eu sei que a universidade é a porta de entrada para esse bom futuro. Não apoio o ensino técnico. Não tenho nada contra, mas também quase nada a favor. Quero meus alunos na faculdade (este ano foram quarenta e três. Quero o dobro, o triplo!). Dá uma vontade de olhar o celular e procurar saber se meus meninos, razão da minha vida, já acordaram. Mas o futuro não espera. Os minutos passam e eu não posso deixar os alunos passarem sem que cuidem bem de suas vidas. E a vida é agora. A aula continua com explicações sobre o futuro de cada um. Impera um silêncio. Nem contei quantos, mas acredito que a sala esteja com mais de cinquenta almas. Não é que aqui seja o céu, pois estou em uma escola que não é uma escola. Mas, ao mesmo tempo, deve ser considerada como uma, dadas às razões da própria natureza do ensino, porque, se for depender da natureza dos políticos da minha escola, isso aqui é um lugar esquecido, quente, mais próximo do... Escola é realmente um lugar político. Que pena. Não deveria, pois se fosse um lugar de educação prima, una a trina, seria encantadora. Mas não vou reclamar, pois a escola é também igual a uma casa de família: um quer o peixe frito, outro quer cozido. No fim, todos comem peixe. Aliás, lembrei-me da possibilidade de meus filhos terem já acordado (um não gosta de peixe). E continuo a falar dos cursos e das modalidades oferecidas para nossa abandonada região xinguara e uma delas é licenciatura. Quando explico que licenciatura é para ser professor e que a maioria dos cursos são dessa área, tristeza geral. Nenhum olho brilha. É o único curso que faz o aluno ficar aqui com sua família, casar com sua paixão adolescente, jogar bola, pescar um pouco, passear pelas ruas ouvindo as canções dos bares e ter lindos filhos. Filhos! Devem ter acordado! Mas há o grave problema: ser professor. Após essa má notícia, ouço uns sussurros de que é melhor procurar uma faculdade na cidade próxima daqui. Não me lembro bem do nome dela, mas acho que tem ouro ou algo dourado, enfim, tem mais letras do que a sigla “UFPA”. E fim de papo. Só que sei que agora tenho que sair da sala porque um aluno fez questão de me lembrar (eles acham sempre que eu sou esquecido) que já são nove horas (e eu nunca tinha ouvido esse aluno falar antes). Olho o meu relógio: oito e cinquenta e nove. Como eu sou insuportável em um minuto. Já fora da escola, lembro-me de verificar o contracheque do mês. Nada de novo. Aliás, só a lembrança da fala de algum outro professor que alardou que novos cortes vêm aí. Acho que é por isso que nenhum olho brilhou hoje mais cedo, porque ser professor é uma escolha bastante difícil de se fazer, fácil de sair dela e impossível esquecê-la. Agora vou para casa ver meus amores. O que guardarei deste dia? Vou me lembrar da mão de um aluno que esticou seu braço na minha direção enquanto eu arrumava a fila sobre a aula do futuro, mão fria, eu lembro, e me disse timidamente em voz bem baixinha: “Professor, feliz Dia do Professor”.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Como nasceu Vitória



Por Mirinaldo 

E do amor do Xingu com a jovem Ponta da Serra, nasceu uma filha. Deram-lhe o nome de Vitória. Tal graça foi dada pois os seus pais tiveram que lutar contra a vontade da Cobra-Grande, que era contra a união dos dois. A severa rastejante preferia que a Serra se casasse com Porto de Moz, tanto que deixou até hoje a  jovem sob o domínio daquela cidade e, para isso, a bruxa das águas dorme eternamente no fundo do grande rio, vigiando-o para que nunca mais possa se encontrar com  a doce menina. Mas o igarapé do Gelo entrou na história e sugeriu os encontros secretos do Xingu com a Ponta da Serra. E o rapaz aceitou: estendeu um braço por entre a mata virgem, rasgando-a por dentro. Chamou-o Tucuruí, o rio escondido, o rio secreto, o cupido do amor desses dois seres. Enquanto a cobra dorme, vivem os eternos amantes a procriar seus inúmeros filhos. E que ninguém a acorde dali. Houve um tempo em que o rio tremeu e, por pouco, a fera não acordou. Graças à Baía de Souzel, o plano dos amantes não deu errado. Ela agitou-se severamente e exigiu do seu esposo, Senador José Porfírio, que tomasse a Praia do Meio de volta e deixasse o Vitsol por conta do rio secreto, ou a cobra acordaria e daria fim aos encontros à surdina dos dois apaixonados. Por isso o evento de verão saiu do Xingu e veio para o alcoviteiro Tucuruí, alojado na casa de sua amante, a Prainha. Mas voltemos ao momento anterior a tudo isso. Muito antes. Depois que a Cobra-Grande adormeceu, Ponta da Serra e Xingu trocaram o nome da filha para Vitória do Xingu. E fizeram isso porque um dia a grande cobra acordará e irá procurar a menina, fruto do amor proibido. Mas vai procurá-la pelo nome Vitória e esperamos que nunca ela entenda o plano e poupe nossa jovem da fúria dessa serpente de olhos de fogo. Mas o que fez a grande peçonhenta dormir? A Praia do Meio. A Praia desejou descobrir o que ocorria com o seu amor não correspondido, o Xingu. Ela veio com a intenção de devorar o Tucuruí, fechá-lo para sempre e manter o seu amante idealizado sendo sugado pelas suas areias e nunca mais ser amado pela Vitória do Xingu. Cobra-Grande entendeu que a grande areia era a supernoite eterna que a estava chamando para o sono secular. E tem dormido até hoje. A Praia do Meio não conseguiu adentrar para sufocar o Tucuruí, porque o Senador a chamou de volta. Mas a Praia rebelou-se e não voltou. E quanto à jovem Vitória do Xingu? (Vitória, para os íntimos). Vive protegida pelo Tucuruí, pelo igarapé do Gelo enquanto vê sua mãe, Ponta da Serra, levar o Sol todos os dias. Hoje é uma jovem de 29 anos. Já tem vários filhos e netos. Alguns ainda moram com ela. Outros aguardam o fim dessa história em algum lugar depois do Sol. Ah, já ia esquecendo: está grávida de novo! E isso acontece toda vez que a Praia do Meio seca, libera as águas do folgado Xingu e este vem se deitar com a princesinha.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

CIDADÃO VERDE




Cajueiro da Pagoa
A menina passa por ele. O menino passa por ele. A história também passa por ele. E ele está lá, vendo todas as histórias passarem, todas as carreatas passarem, todas as bandas, todos os desfiles. Ele não fala nada. Fica imóvel, não intacto. Por esses dias mesmo, coitado, sofreu uma queda. Queda não. Ah, sei lá o nome! Ele se machucou. Ou o machucaram. Tanto faz. Já está feito mesmo. Mas a pompa, a elegância, o seu gigantismo, a sua majestade, o seu folhear, o seu balançar, tudo nele é formosura. E que frutos! Que delícia!
Desde meu tempo de eu menino que o vejo. Não sei quando ele cresceu. Parece até que já nasceu gigante, que já nasceu frondoso, que já nasceu pronto.
A rua onde ele fica, a avenida onde ele fica mostraram-lhe e ainda lhe mostram que o tempo continua nos mudando. Que o estamos, inclusive, abandonando, que o estamos trocando pelos prazeres modernos, pelo Facebook, pelo Instagram, pelo Whatsapp. Que loucura a nossa. Que troca ridícula, trocar sombras e frutos doces por objetos com baterias. Aliás, essas baterias podem danificá-lo, comer suas raízes, cegá-lo.
Mais adiante, outra besteira: som alto demais, buzinas escandalosas, motos e carros se entrecortando, fumaças saindo pelos bocas dos veículos, homens matando outros homens com seus pneus, com suas máquinas, com seus brinquedos de se exibir. Nossa, quanta confusão. E ele lá, ainda tendo que suportar isso tudo.
Isso tudo não, ainda tem mais. Carros de propaganda, caminhões estrangeiros, carga e descarga de produtos... cheiro de carne logo ali! Um casal discutindo mais adiante, outro casal vai se beijar mais acolá (Epa! Tem criança passando, desfaz o beijo!), tem um camelô logo por ali, alguém deixou uma sacola aqui... e o cachorro... nossa, gente, o cachorro. Nem vou dizer o que ele fez ao pé do meu amigo! O odor mudou.
E não para, agora é final de semana, há uma cachacinha rodando num copo de mão em mão, uma música de Reginaldo Rossi. Passo e vejo um casal dançando, volto e os vejo brigando, saio e já estão se amando de novo. Chove e só um senhor sem nome, sem endereço, fica deitado. À noite, nossa! Beijos e mais beijos. E ele finge que não vê, afinal, a mulher pode ser casada, é melhor ele não falar. E dali saiu um menino, já faz nove meses. Bom, dele eu sei que não é fruto. Ufa!
E vem chuva, sol, vento, a coleta do lixo (quanto lixo!) que também leva a terra, terra com lixo: cigarro, garrafas vazias, folhas mortas, amarelas; vem um banco, o banco quebra, vem uma caixa, a caixa quebra, e passa a menina e passa o menino e é segunda-feira, e é terça-feira e ele... lá.
Passa o ônibus, passa o bloco. Aliás, ele guardou muitos blocos, ficou com eles na concentração. E passa o carnaval todo, com muitos ao pé dele, parece até um mestre-sala. E passa a menina faceira, sambando pelo meio-fio e fazendo de pouco daqueles cabelos verdes que ele tem. Passa também sua santa, a Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos, com os cristãos, é claro. Ele fica solene, já não é mais o assanhadinho daquela terça-feira de folia. Agora se curva, se benze e ora, e pede mais raiz, mais terra, mais água, mais filhos seus, afinal é sozinho para aguentar tanta história. E paga sua promessa, que não sei e nunca saberei qual foi.
E agora dança, pula fogueira, se faz de compadre de todo mundo; agora é xadrez, é São João. Agora estão ali as quadrilhas, as daqui e as de fora, e ele vê o espetáculo e não paga ingresso. Vê o futebol, vê as bolas. Ajuda aquele menino a recuperar a bola que saiu errada. Vê a cultura. É patriota, desfila em 7 de setembro, apoia Zumbi em novembro e dá presente ao menino de nosso Deus.
Vê de tudo, vê o atropelamento, vê o carro novo que chegou, o homem bom que saiu e o mau que foi perseguir outros homens. Vê a lama, o carro atolado, o comércio cheio e vazio, o comércio crescer e quebrar, a menina crescer, o crente orar, o velório seguir, vê o novo e o velho trocarem de mundo, vê o político passar para o poder, vê o poder passar para o político, vê o povo sem poder.
E só vê. Porque ver é o seu fazer. Dar a sombra ao fraco é o seu destino. E segue sendo o coração da cidade. E segue sendo o verde esplêndido, e segue sendo o alívio daquele vendedor ambulante logo ali, e segue sendo a esquina que alivia as crianças do malvado calor, e segue sendo a estátua verde, porque sempre soube manter-se na altivez, como um homem forte, um guerreiro destemido. Mas ele sabe que não é homem, é somente algo que ainda muito verá, que sempre terá a certeza de que é o filho da Pagoa, o menino das sombras que sempre chamaremos de nosso cajueiro.

Mirinaldo, 18 de fevereiro de 2014. Especialmente para o lançamento da OLP 2014, na Escola Aliança para o Progresso.

O OUTRO LADO DA LUZ


 
Por Mirinaldo
 
Em todo lugar da Terra pode haver luz. O Sol nos brinda com ela e nós a produzimos nas lanternas, no fogo, nas velas nas telas. Nossos olhos se enchem de luz. Por eles ela nos atravessa e converte as formas que constroem, para nós, a nossa inteligência. A luz serve a todos, até aos que fazem maldade. Ela pode estar na lanterna de um ladrão ou no foco de um médico em uma consulta. Luz é luz. 
Deus-Homem já disse uma vez: “O Sol brilha para todos”. Então, estamos sob a sua luz. Como a usamos é como decidimos viver.
Porém, há um ponto tão escuro em nós onde a luz não se abriga. Nesse ponto só há sons. Pulsar. Latidos. Vibrações. É o ponto do coração. A luz do mundo não o avista. Abstém-se de molestá-lo. Deixa-o só. Apenas um mal pode permitir que a luz o veja: a doença que leva à cirurgia. Saudável, um coração não se mostra. Daí vira metáfora: terra, amor, paixão. E recebe títulos e prêmios pelo que não é: não é terra, não ama, não se apaixona. É um símbolo. Um símbolo sem... luz.
Daí a luz, inconformada com tal restrição, infringe os sentidos literais e a ciência e recria-se em uma forma única: SENTIR. O sentir se camufla e afeta todos os seres por dentro. Ilumina-os nas áreas onde a luz do mundo não chega. O sentir clareia o coração e é o único capaz de vê-lo sempre e sempre. Ela se apaga quando a luz do mundo se esvai da natureza humana. Fora isso, o sentir é luz sem ciência, pois não precisa dela.
É por esse lado da luz que eu me mostro e te vejo. Mas só se permite que tal ato se efetive quando alguém sabe que eu estou no mundo, porque o que eu sou só se conhece pelo lado oculto da luz. A minha luz. A tua luz. E somente uma luz perpassa pela minha luz e pela tua luz: a divindade. É no entrecruzamento delas que se cria o amor verdadeiro. Mas amor não tem a luz do mundo, nem daqui ele é, ele é o equilíbrio de todas as luzes. Por isso, explica-se Jesus. Por ele, uma luz vive na outra. Por ele, sabe-se o que é Natal. 
Se quisermos ver quem cada um é, é preciso que consigamos atravessar a luz do Sol, a luz dos homens e chegar à luz divina e dela retornar ao Sol. 
Se conseguirmos, isso é Natal, do contrário, são só árvores piscando... piscando... piscando...

Desocultemos nossas luzes entre nós.

A SINUOSIDADE DA SERPENTE





E rola pelo chão a maldita. Serpenteia a cauda e estremece as presas. Cabeça quieta, veneno agitado. Língua tinindo pelo sangue de um fraco. Aquieta-se de novo. Era só um vil rato a passar, mas ia ao longe. Não valia a ela o sacrifício de rastejar. E descansa.
Agora é mansa e fria. Parece sem ofensa e sem perigo. Reluz o couro ao reflexo do dia. Reluz o couro ao reflexo da lua. E ali, queda. E ali, em seu habitat, em seu mundo de serpente, trança-se. Parece não mais ofender a nada da natureza que ela só vê de baixo para cima. Vem desde os tempos de Eva e de Adão. Foi a infeliz criatura testemunha do pecado original. Foi a ambiciosa detentora da árvore da ciência. E agora...
Agora não conhece mais a ciência. Mas a ciência deu-lhe a resposta: teu veneno, tua má sorte. Teu veneno, fim do teu projeto de morte. E ali queda. E ali, retorcida, de corpo para o próprio corpo, de cabeça para a cauda, fica a serpente e esquentar o chão. A esquentar-se. A digerir.
Mas no seu entorno, nada é seguro. Tudo pode ser fulminante. Tudo pode arquejar. Tudo pode resvalar. Nenhum tropeço é permitido. Tudo é sob os preceitos serpentinos da majestosa figura de pose ingênua. Nenhum lance lhe é alheio. Nenhum movimento pode lhe ser ausente.
E ali, na forma sinuosa e de serpente, na forma sem languidez, ela completa o lance do instinto sério, frio e agudo. Dá o bote!
Foi o rato que voltou.
Mirinaldo, 3 de abril de 2013.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

À décima quinta hora



Por Mirinaldo 

E cá está este humano ante ti. 
Cabisbaixo e apreensivo,
Solícito por teu amor e inspiração.
Sim, quero tua inspiração. 
Sou eu aqui,  Senhor, 
O homem das salas,
O homem das aulas,
O homem com um mundo nos ombros. 
Eu sou o que ensina 
O que estuda, 
O que sonha. 
O homem que abre os livros e diz: eis o mistério revelado do saber. 
Eu sou o homem  das mentes brilhantes. 
Eu sou o polivalente, 
O crente, 
O ateu. 
Ainda assim e,
De todas as formas, sou teu. 
Sou o que estou contra as paredes,
As mesmas onde rabisco letras de pensar. 
Lá estou também 
Sob intensos sacrifícios. 
Lá também estou 
Sob o martírio dos incrédulos,
Sob a falta de empatia dos soberbos e sob 
Os risos dos fascistas e nazistas aqui plantados. 
Eu sou o que 
Explica os erros da História,
O que se desvia 
Da ignorância dos poderosos 
E agora eu sou o que 
Se apega à sorte 
De estar... vivo após um "bom dia".
Eu sou o último da fila 
Da esperança 
De nações pobres,
O que está longe 
Dos filhos próprios 
E constantemente 
Perto dos filhos 
Da minha devoção de sala. 
Sou eu, Senhor, 
Junto contigo,
Sob estes pregos 
Ensanguentados Desta cruz que ainda mata os oprimidos e fracos em nome 
De Deus. 
A ser flagelado 
Pelo ódio do mundo. 
O mundo que eu,
Letra a letra, 
Sonho por sonho, 
Voz e olhares, 
Pretendo que seja 
Devolvido a ti
Conforme tua vontade. 
Não permitas, Santo deste madeiro,
Que a minha voz se cale 
Do ofício a ela dado. 
E que esta dor  cesse 
Assim que o mundo 
Souber para que 
A ele foi 
Enviado...
Um professor.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Caro amigo

Por Mirinaldo

Caro amigo.

Você não está mais o mesmo. Foram quatro anos terríveis. Lombo cansado. Injustiçado, desvalorizado, tido como um subversivo, um vagabundo, um esquerdista, um lulista, um preguiçoso, um comunista, anticristo, apoiador de banheiro unissex, divulgador de ideologia de gênero, de kit gay, influenciador do aborto, acusado de combater os terraplanistas, os evangélicos, um defensor da ciência e tido como um terrível possuidor de intelecto. Enquanto os ossos eram cobertos pela terra sob aplausos dos homens “de Deus”, você teve que aprender a usar tecnologias e a fazer o que não sabia fazer para levar o saber a quem mais precisa: os pobres. Sim, os pobres, esses precisam saber para agir sobre suas indignidades, para que seus ossos sejam respeitados e nenhum riso seja dado para zombar dos mais de cem mil famintos nesta pátria de bandeira roubada, estuprada, vitimada pelo mais alto teor da imbecilidade da História. Quanta destruição foi posta em seu caminho? Incalculável. Nunca se andou tanto para a Idade Média. E você disse tantas vezes que deveríamos evoluir, buscar a luz do saber. Quantos evangelhos podres foram criados? Dois, um da prosperidade, para os ricos, e o do ódio, para doutrinar alguns (eu disse alguns) evangélicos a combater petistas. E você disse tantas vezes que a religião poderia ser uma forma de condenação e que nós não deveríamos nos prender uns aos outros e não  subjugarmos a nossa fé à vontade e comando de um insano e anticristo de verdade. Você disse e mostrou que as ditaturas matam e que matar fere os direitos humanos. Mas agora você terá de reconstruir essa ideia em que milhares se afogaram sob a ilusão dos golpistas. Como você vai explicar agora que Deus é uma coisa e que Bolsonaro é totalmente outra se muitos já os tornaram uma coisa só? Não diga nada. Fique quieto quanto a isso. As religiões matam. Você vai querer matar também? Vai assassinar Jesus  Cristo? Se não,  então continue no deleite da nossa carta maior, mantenha-se no laicato e não seja um ditador da fé. Isso cabe aos fariseus modernos. Você deve se manter na ciência, na razão, nos princípios de humanidade. Professor não prega fé. Presidente não prega fé! VOCÊ AINDA É O GUARDIÃO DA SABEDORIA. Você é quem vai ajudar esta pátria a se reconstruir ante a lama  criada pelo golpismo. É você que vai nos levar a revalorizar a nossa camisa, a nossa bandeira, sequestrada pelo fascismo que ora está aí e não foi capaz de desenhar uma bomba como seu símbolo. É você que vai fazer os direitos humanos serem reconquistados e tidos como o norte desta nação. É você que vai estar ao lado dos alunos nas conquistas deles rumo à universidade quando ela voltar a ser do povo. É você que vai ajudar o país a reverter a ideia de que “não estudar é que vale a pena”. Saiba que a sua sala de aula pode ter sido o único lugar deste país onde o bolsonarismo não entrou. É o perfeito escudo da democracia, ódio  mortal de decrépitos. Na porta da sua sala, o fascismo morrerá, pois ele não sobrevive ao gigantismo da ciência. E você é o difusor dela. Você a protegeu contra todas as demagogias abutres, tanto políticas quanto religiosas, nesses quatro anos. Sinta-se vencedor. Você já chegou até aqui. Chegou ferido, mas muito  forte. Ninguém faria isso melhor que você. Ninguém. Obrigado por ter ficado firme do lado certo, do lado da justiça social, da solidariedade, da ciência, do respeito a todos, da paz, do amor e da democracia. Receba os ataques e devolva-lhes a lucidez que é a sua marca. A ignorância pode até ser financiada e sistematizada, como agora está, mas nunca, jamais conseguirá sucumbir a inteligência que só pertence aos homens brandos e sábios, pois, no final, os fatos sustentam os argumentos dos bons homens e somente estes podem abstrair a exata compreensão sobre esses fatos. Os ignorantes, quanto a isso, só terão o instinto de se imaginar sábios e santos. Você, professor, mostrou que a sabedoria e o conhecimento são realmente fontes em que se deve saber beber. Assim como também sabe que tudo isso que você tem será de todos quando todos voltarem à razão de si, da verdadeira fé (do verdadeiro Evangelho) e do seu país. 
Vá. Siga, grande guerreiro. Sábio guardião do saber. Erga-se, bata em seu peito e diga neste seu dia:
EU SOU PROFESSOR DO BRASIL! O PROFESSOR DA DEMOCRACIA!

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

SOBRE O QUE ESTÁ MUITO ALÉM DESTAS ELEIÇÕES

Por Mirinaldo
                                                                                                                                                                       1. ESTAS ELEIÇÕES NÃO SÃO SOBRE LULA E BOLSONARO. São sobre a democracia versus o golpismo. Como Bolsonaro representa o golpe, então ele é quem deve sair e responder por seus crimes contra o país e contra os direitos humanos. Ninguém encontrará o terceiro lado votando em Ciro ou em Tebet, o voto neles é favorável ao genocida. Há quem vá votar em Simone Tebet por questões feministas. Não há tempo nem lógica para isso. Não é a eleição do negro, ou do homossexual, ou dos indígenas, ou da mulher, ou do pobre. Explico: esses todos já estão representados na democracia, todos eles dependem dela. Agora a bandeira é uma só e DEMOCRACIA é o seu nome. E Lula a representa. Os que defendem Bolsonaro estão cientes de que pretendem um país de perseguição aos brasileiros opositores a um regime totalitário, embora mintam até a morte que estão defendendo um país justo, de família, de pátria e de Deus. Tudo farsa. Esse país não existe. É preciso absorver toda a tolice da Terra para conceber essa psicopatia. Ou é democracia ou é golpe. E golpe não é paz nem amor, muito menos cristianismo. Golpe é sadismo, morte, tortura, terra sem lei, nação submissa à vontade de um ditador em que até “Deus” seria subjugado à vontade de tal insano. Um ditador também imporia a forma de religião. E acreditem: há quem tenha essa esperança demente de que haja somente uma forma de crer, uma religião para calar as vozes das outras. Somente um ditador daria tal gozo a líderes religiosos rasos de cabeça oca, mas sedentos por poder político. 
 
2. BOLSONARO VENDEU PEIXE ESTRAGADO. E ALGUÉM O COMPROU. Uma boa parte do eleitorado bolsonarista é de evangélicos ultraconservadores. Ele sabia disso. Inclusive muitos pensam que ele é evangélico. Porém, o peixe que ele vendeu está estragado. Bolsonaro entrou na onda do evangelho da prosperidade, criado nos Estados Unidos na década de 1930. Esse evangelho falso se pauta na conquista de riquezas terrenas e flerta com o capitalismo que também prega essa linha de pensamento. Para esse evangelho, a pobreza é um sinal do pecado. E quem quer pecar? Daí, muitos veem nesse evangelho uma forma de ascensão social, econômica e política. Por isso, a ideia de que Deus abençoa os líderes que o pregam. E Bolsonaro o prega. A tampa e o... Ou seja, Bolsonaro ganhou uma eleição pregando um deus de araque, que não está na Bíblia, mas que foi interpretado conforme os interesses do evangelho da prosperidade. Ele prega um deus de riquezas em contraposição a um Deus que prega a humildade. Enfim, com uma (impossível) vitória dele, esse evangelho podre seria o grande norte da nação, já que o Evangelho de Jesus Cristo prega a partilha (e partilha e capitalismo não se bicam). Por enquanto, está em grandes redutos. E somente a democracia será capaz de sufocá-lo, pois esse evangelho, aqui no Brasil, só vinga em governo golpista.
 
3. ESQUERDA E DIREITA SÃO MAIS QUE IDEOLOGIAS. SÃO DUAS CLASSES SOCIAIS. Você pode escolher seu time, sua religião, suas roupas, seu penteado e as cores da sua unha, mas ser de esquerda ou de direita, não. Está claro como nunca que a política não é uma arena para discutir a partilha dos bens do nosso país quando o presidente é da direita. Os políticos da direita defendem os grandes empresários, o mercado internacional, as multinacionais, a grande mídia, os fazendeiros, os ruralistas, as classes sociais altas. As outras camadas, os trabalhadores, pobres etc. são unicamente a mão de obra. A direita não abre mão do lucro para melhorar o país. Sabe quanto ela teria que gastar pagando todos os seus funcionários com nível superior? Pois é. Então nada de nível superior para os pobres, pois isso interfere nos lucros da direita. Para ser de direita, é preciso estar nas classes em que ela sempre esteve: nas de cima. Abaixo disso, você é de esquerda. Só trabalhador pode defender o trabalhador. Direita defende direita. A prova disso é que Bolsonaro destruiu a previdência, a reforma trabalhista, a educação, saúde, o meio ambiente e os direitos humanos como forma de pegar de volta o que foi conquistado pelos trabalhadores durante a década dos governos populares de Lula e Dilma. Pois bem, ocorre que muitos pobres e outros trabalhadores se declaram de direita. Tamanha é a incoerência, por exemplo, de um professor sufocado em uma escola pública declarar-se de direita. Escola pública não é frequentada por membros da direita. A deles é particular. A autodeclaração de um trabalhador como sendo da direita é mais um sonho de sê-lo, um desejo pessoal, uma vontade de se encontrar em castas superiores economicamente. É uma coisa de ego, não social. É tal como o bêbado, se bebe fica rico, se está sóbrio é pobre mesmo. É até coerente alguém da direita declarar-se da esquerda, por desejar que os outros também consigam ter melhoras em suas vidas, mas um de esquerda ser de direita não basta uma fala, andar com quem é de direita, postar, discursar nem dizer que optou por isso. Fatos são fatos. E mais: a esquerda não precisa se tornar rica, apenas ter o que lhe é de direito e lhe proporcione dignidade. A direita quer aumentar o que já tem de sobra. Talvez algumas pessoas de espírito raso se projetem nesses sonhos de influência americana para ostentar vidas superiores. Mas que cada um fique no seu quadrado. Afinal, vaca magra não engorda no grito.
 
4. O COMUNISMO NO BRASIL É UM ELEFANTE BRANCO. Geralmente quem ataca o comunismo nem sabe do que se trata. É como dizer que Lula é ladrão sem que ele tenha sequer um processo. O Brasil nunca teve comunismo e não há projeto para isso. Aqui o comunismo não vinga. Não vingou em nenhuma igreja, imagine na política. Aqui é o capitalismo mesmo, até que ele mesmo se destrua. Enquanto isso, ele nos destrói. Os que atacam o comunismo estão, na verdade, dizendo: “Eu quero trabalhar para os outros”. E segue a vida. Trabalho e mais trabalho e nada de melhorar a vida. No capitalismo, só há vagas para alguns. Nós só conseguimos alguma coisa do capitalismo quando quem governa é por nós. E só a esquerda é por nós. Cheguei a indagar uma vez a um grupo: “Levante a mão quem tem CERTEZA de ir para a universidade no ano quem”. Ninguém levantou. No capitalismo, quem não é capitalista não tem certeza de nada. Essas certezas de ter as coisas só funcionam para quem tem dinheiro: os ricos. Então, onde está o comunismo nisso tudo? Esse papo de que não vai votar no Lula porque ele vai instalar o comunismo aqui é discurso de pseudointelectualzinho. O discurso de moralzinha hipócrita de “Deus”, pátria e família do genocida colocou quantos pratos de comida na mesa dos brasileiros? Nem um. Quantos empregos foram gerados quando ele ladrou dizendo que deveríamos exterminar o comunismo inexistente? Nem um. Não me espantam os gritos bolsonaristas contra o comunismo, mas a ignorância de quem dormia em todas as aulas de história e agora pegou uma notinha barata para “argumentar” que não vota em comunista. 
 
5. A NOSSA BANDEIRA JÁ É VERMELHA. A nossa bandeira, roubada pelos incapazes de desenhar uma marca, realmente não será vermelha por conta do PT. Ela já carrega, graças ao desgoverno bolsonarista, o sangue dos brasileiros mortos na pandemia, na campanha de extermínio dos povos indígenas, na morte de líderes sem-terra, nos 33,1 milhões de famintos. Mais vermelha, impossível. Apenas um governo democrático para devolvê-la à cor original.
 
POR FIM: VOCÊ NÃO PRECISA AMAR O LULA PARA VOTAR NELE. SÓ PRECISA ENTENDER QUE ELE É A ÚNICA SAÍDA PARA A NÃO PERPETUAÇÃO DO DESASTRE EM QUE SE ENCONTRA A NOSSA DEMOCRACIA.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

E será um menino!



Por Mirinaldo

Hoje nascerá um menino. Um menino pobre. Não terá enxoval de bebê. Não terá lenços umedecidos. Não usará fraldas descartáveis. Não terá um pediatra. Não nascerá em hospital nem ao menos sob um teto de um barraco. Sua mãe não terá os acessórios de parto. Nem parteira. O menino não nascerá entre paredes. O menino não sentirá o aroma de um quarto perfumado, preparado só para ele. Será um miserável. Um indigente. Um marginal. Apenas um filho da mãe. A mãe dele. E nós estamos sabendo de tudo isso. E nós também vamos esquecer tudo isso. E, por esse menino ser rei, a nossa imaginação só nos conduzirá para a ideia que temos de um... rei! E o imaginaremos rico, forte, coroado, tronado, majestoso. Nossa miséria humana o verá como... rei. Um rei tal como os reis da terra. E eis a nossa fraqueza ante o menino: pensaremos que bastará adorar o rei para que sejamos agraciados por ele. E vamos, depois do dia 25, continuar a imaginar esse menino como um rei humano. E vamos imaginar a sua glória aqui mesmo na terra. Grande erro o nosso. E daí vamos personificar esse rei e projetá-lo nos falsos profetas. E vamos alimentar esses profetas com nosso trabalho. E viveremos a ilusão do evangelho. E tudo porque esquecemos quem era o menino. Que isso cesse. Não mais acreditemos nos reis da terra. Eles não existem. São uma ilusão da prosperidade. A pior personificação do Natal não é a do Papai Noel, é a dos falsos profetas. E dura será a nossa sina quando ignorarmos a visão de rei terreno e passarmos a seguir a trajetória do menino-rei que hoje nasce. Saberemos sofrer como ele? Saberemos o verdadeiro amor que ele ensina? Pensaremos como ele pensa? Seremos pobres como ele é? Continuaremos a nos inspirar nos reis da terra ou passaremos a perceber que o menino que nasce hoje tem rosto humano de pobre? Amaremos os pobres ou vamos seguir o evangelho dos ricos? Comemoraremos o Natal do Senhor ou o natal de um menino que se torna rico quando vira evangélico? Conheceremos o Evangelho ou apenas as pregações sobre ele? Enfim, seremos como esse eterno menino ou vamos crescer nos afastando dele?
Se é Natal, então eis a nossa grande chance!
Feliz dia do eterno menino do verdadeiro Evangelho!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Oro por ti, menina de trinta.



Por Mirinaldo

Que teus dias sejam longos como são teus leitos de rio e que sejam anos suaves como teus braços de igarapés. Abraçada por águas, vives em eternos banhos dados pelo teu Xingu. Graciosa e bela sob o sol que se exibe para ti durante todos os dias e, tímido, esconde-se por trás da Ponta da Serra todas as tardes, és o encanto diário que dilata nossas pupilas e nos faz orgulhosos de sermos teus amantes fiéis e agraciados por tua baila. Serena e bela sob a luz da invejosa lua, estás sempre a cantar de tantas formas e de tantos tons que nossas almas encontram o deleite certo ao som de tua música. Acolhes-nos com tuas mangueiras, com sombras e frutas doces, ao mesmo tempo em que nos apaixonas com tuas pixonas de histórias mil que inspiraram as tantas gerações a se multiplicarem e até hoje guardas o segredo de todas elas. Vive triste quem não conheceu tal doçura da vida. Foste cúmplice dos encontros fortuitos e afortunados da caixa d’água, de onde, se quedasse tarde, soltavas a loira da mangueira expulsando os amantes ávidos por mais tempo sob a escuridão conclamada pelo silencioso motor de luz. E clamavas pela Matinta-Pereira, pelo Pinto-Pelado. E quantas novelas deste aos teus a oportunidade de assistir na praça dos Benjamins onde, às dezoito horas em ponto, tocavas a Ave-Maria. E quantos bilhetes ardentes de paixão foram lidos pela voz de ferro do alto-falante que ali tocava e embalava os namoros dos alunos que não se continham nas salas ao ouvirem as músicas românticas em inglês. Todos lugares suspeitos e proibidos de viverem a personificação da fala humana. Que se calem para sempre! Tu, Vitória, liberaste teus filhos para os banhos de água de chuva sob fortes trovões e relâmpagos numa água lamacenta que corria pela avenida Manoel Félix de Farias e terminava na praça dos Benjamins. Moleques e molecas davam seus gritos de euforia e voltavam para casa realizados e sem gripe alguma. Quando houvesse um corte, merthiolate! Aí se conhecia o grito da gurizada. Ou quando tiniam os galhos de goiabeira casas adentro, também se sabia que uma aula estava sendo dada. E tu, Vitória, rias-te sem parar. Eras uma menina que corria para o igarapé do Gelo, do Facão, do Tira-Calcinha, do Jandiá, que corrias pelos caminhos que levavam para as ramagens e árvores ao redor da vila de pescadores e estivadores. Eras tu que saltavas da rampa da Reicon, da Prainha e do Tuba. Moça levada que tocava tambor com Calazão, que dançava na Caçulão, no Vadoca e na Barraca. Eras tu que te benzias dos ciúmes das moças com ramos e atravessavas o campo Padre João, à noite, para cursar o magistério. Querias ser professora! Eras tu, ainda moleca, que choraste tantas vezes sob o sino tocado pelo seu Manoel do PT anunciando uma ida ou também que te assanhavas ao ouvir o mesmo sino aos domingos para as missas. Deixavas o dominó com o Chico Rita, com Tenório e tantos outros e te tocavas ao banho apressado e ias, com vestido de chita e perfume de lavanda para ouvir o padre dar seu sermão. E a quantas procissões foste descalça sob a chuva de maio e rogaste por um namorado. É por ti, que agora trintaste, que oro todos os dias para que sigas firme teu trajeto de cidade e que busques a maturidade que teus trinta anos te ensinaram. Que tua beleza seja o teu verde lindo aclamado em nosso hino e tua história seja a fonte das letras dos poetas filhos teus. E que tuas ruas cresçam em vida, em luz e em forte esperança de que cada dia é sempre um dia para recomeçar a pensar numa nova história chamada Vitória, uma vitória que começa no Xingu, teu pai, e termina no coração de cada filho teu. Daí por que te chamo: Vitória do Xingu. E te felicito, hoje e sempre!

sábado, 20 de novembro de 2021

A verdadeira cor da consciência



Por Mirinaldo 

A cor da consciência, na verdade, não é uma cor. É um pensamento em ação. É defender o outro de acordo  com a necessidade dele. Defender o índio não por ser índio, mas porque ele precisa ter a sua dignidade e possa viver em excelentes condições humanas, inclusive com direito a um iPhone, afinal, ele é humano e iPhones só os humanos podem usar,  desde que possam pagar por ele (se o índio pode pagar, então pode ter um sem deixar de ser índio). Defender a mulher não por ser mulher, mas porque ela precisa da sua dignidade humana preservada e não ser vítima dos homens porque eles são... homens. Assim é a consciência negra: um pensamento-ação para que o negro tenha o direito de viver sendo plenamente uma
pessoa humana. Se algum direito lhe é violado, já é suficiente para que uma bandeira de luta seja travada. E assim são todos os dias vividos pelas minorias. A consciência negra não é sinônimo de "apenas os negros devem lutar", mas de "é uma culpa de todos e, portanto, uma responsabilidade de todos". E mais: não se defende o índio,  a mulher e os negros,  por exemplo, porque eles sejam santos,  como prega a demência bolsonarista, mas por questão de humildade necessária  (e, se quiser, de fraternidade cristã). Portanto, hoje é o dia de pensar a ação pautada na consciência da humanidade. E essa consciência também é negra.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Dia da Proclamação da Banana Brasileira




Por Mirinaldo

15 de novembro. Data para se comemorar o quê? Proclamação da República! A história aconteceu assim: os caras do Império estavam cansados daquele sistema em que eles não apareciam tanto. Tinham muita grana, mas muita mesmo, mas queriam ter visibilidade. Daí, com o apoio dos botas (eles de novo) deram um grito de proclamação parecido com aquele da diarreia de D. Pedro. Porém, agora, a mensagem era a seguinte: queremos uma república para reorganizar a distribuição do poder entre nós aqui de cima da pirâmide. O resto não muda nada: pobre que continue se lascando. Mas calma aí! Temos que pensar nos pobres, sim. E pensaram. E ficou assim: os pobres trabalham e passam a pensar que o Brasil se modernizou e que todos vão sair lucrando. Ok. Os caras lá de cima venderam a imagem de que não escravizavam mais os negros, de que não tinham mais vínculo com Portugal, de que engoliam as hóstias na igreja, de que não ficavam com as mulheres dos seus próximos, de que queriam um país desenvolvido, de que agora seria a tal da Ordem e Progresso (parecido com a broma “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” – KKKKK) e segue a baila da falsa inocência.  E rebatizaram seus nomes: não mais senhores de engenho, escravocratas, senhores feudais (esses caras vieram desde a Idade Média). Não. Santos do pau oco têm de usar novos nomes. D-I-R-E-I-T-A-! Isso mesmo. Seriam chamados de homens da direita. E fizeram a República da Banana Brasileira. Sim, uma república que hoje tem tudo para dar certo: as bancadas temáticas para garantir os interesses dos antigo escravistas, o uso da Bíblia para manipular a falsa crença secular do protestantismo europeu, uma classe média alta sedenta de ódio contra a classe baixa e uma classe baixa que aprendeu a se abaixar para carregar nas costas um ser lambuzado de dejetos da mais abjeta podridão da história que ora se repete no seu ciclo de ilusões da ascensão social prometida pelos que comem a banana, jogam a casca e ouvem os gritos lá de baixo da escala: Mito! Mito! Mito! Mito! Mito!

Feliz Dia da Banana!

terça-feira, 31 de agosto de 2021

CONVITE PARA O GOLPE DO DIA 7 DE SETEMBRO DE 2021



O excelentíssimo Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, convoca e/ou convida todos os cidadãos de bem, honrados e ilibados, cristãos devidamente batizados, retos e justos, sem pecado, sem dívidas, sem empréstimos, pagadores de dízimos, leitores assíduos da Bíblia e decoradores de versículos, da classe média alta, devidamente armados, com baixo ou zero interesse por cultura popular, baixo ou nenhum nível de leitura, replicadores de fake news, admiradores de Trump e inimigos sabe-se Deus do que (mas que chamam de comunismo) para o seguinte evento:

Nome do evento: GOLPE NA DEMOCRACIA.

Objetivo do evento: safar a cara do presidente da cadeia, já que, sem voto impresso, ele perderá a eleição para o cara malhado das pernas grossas e responderá pelos seus tantos crimes na pandemia, contra os índios, os homossexuais, as mulheres, as crianças com fome, os índios de novo, a floresta amazônica, o aumento do preço da gasolina e da carne principalmente, o estímulo ao uso de armas e não de máscaras, pela desvalorização da educação e do SUS, pelo endeusamento das forças armadas, pela perseguição aos direitos políticos, pelo discurso de ódio contra o elefante branco, por aprisionar um extraterrestre que sabe fraudar as urnas eletrônicas e por criar um cercadinho de onde blasfema contra o povo, a esquerda e manda beijinhos para defensores do nazifascismo.

Local: Qualquer rua (menos favela e bairros pobres, pois vai pegar mal no estrangeiro mostrar pessoas que precisam de governo e não tem governo); mas podem fazer montagens de fotos também de outras aglomerações.

Data: 7 de setembro, para dar um ar de que a classe média alta está sendo oprimida pelos pobres e pelo Supremo e, por isso, pede sua independência (calma, vou rir depois).

Pauta do evento: 
Aumento da gasolina de 7 para 15 reais até dezembro.
Aumento do óleo de cozinha para 25 reais.
Aumento do preço da carne para o patamar de 80 reais (até novembro).
Uma peruca para o Alexandre de Moraes (para o mesmo dia 7 de setembro).
Queimar mais a floresta amazônica até chegar ao cerrado (já começou, falta só apressar mais).
Mais picanha para o Exército.
Menos máscaras, mais covid-19.
Devolver as vacinas para os fabricantes.
Aglomerar mais para aumentar a pandemia.
Volta do AI-5 só para os esquerdistas; para os direitistas, escovão para lavar a estátua de Borba Gato.
Aumento da inflação (também já começou).
Aumento do desemprego (para ontem).
Deixar a covid-19 só para os esquerdistas.
Intensificar, mas dizer que não existe, o racismo, a homofobia, a xenofobia, a misoginia, o extermínio dos indígenas, fogo na floresta, garimpos ilegais, extração ilegal de madeira e de minérios.
Voltar a dita dura (porque alguma coisa do governo está muito mole).
Volta da tomada de três pinos.

Grama do Palácio do Planalto, 31 de agosto de 2021. 

Atenciosamente,
Capitão Cloroquina Impressa.