Por Mirinaldo
São 7h35. Estou na sala. Sala de aula. Já passei pelo corredor, pela sala dos professores e agora estou na sala... de aula. Começo a aula. Ligo o data show. Ligo cabos, computador, procuro o conteúdo (hoje é chamado de objeto de conhecimento). Fiquei sabendo que um professor faltou, está doente. Muito doente. Doente dos anos carregados pelo árduo pesar das suas lentes. Faltou. Sugestão: reunir as duas turmas. Vamos lá. Duas turmas lembram o dobro. O dobro são muitos alunos. Sala lotada. Dou-lhes um bom-dia, e saio entre eles para organizar as filas para acomodar os outros colegas que vêm da outra sala onde não houve aula porque o professor está doen... (Ops! Já falei isso – são os anos, meus vinte e oito anos de magistério que me roubam, aos poucos, a memória, um pouco menos dos anos do professor que está... doente). A aula segue. Assunto principal: o futuro dos alunos. Sim, quero dizer o Enem deste ano. Eu tenho que pensar e agir com eles. Eles não conseguem sozinhos, por isso eu sou o seu professor. A aula é sobre como ingressar na UFPA, universidade pública, rainha do Norte. Eu defendo as públicas. E estou diante de quem eu imagino um dia estar lá. Saí de casa e meus filhos ficaram dormindo (hoje não houve aula para eles). Neste exato momento, aqui nesta sala, nem sei se já acordaram. Eles também têm futuro. Mas agora eu tenho o dever moral de não falar deles, mas focar o futuro dos filhos dos outros. Nem sei quantos pais tratam de futuro em casa. Então cada minuto conta para eu abordar sobre como posso orientar meus alunos a terem uma vida que os torne bons cidadãos, que eles prosperem profissionalmente. Eu sei que a universidade é a porta de entrada para esse bom futuro. Não apoio o ensino técnico. Não tenho nada contra, mas também quase nada a favor. Quero meus alunos na faculdade (este ano foram quarenta e três. Quero o dobro, o triplo!). Dá uma vontade de olhar o celular e procurar saber se meus meninos, razão da minha vida, já acordaram. Mas o futuro não espera. Os minutos passam e eu não posso deixar os alunos passarem sem que cuidem bem de suas vidas. E a vida é agora. A aula continua com explicações sobre o futuro de cada um. Impera um silêncio. Nem contei quantos, mas acredito que a sala esteja com mais de cinquenta almas. Não é que aqui seja o céu, pois estou em uma escola que não é uma escola. Mas, ao mesmo tempo, deve ser considerada como uma, dadas às razões da própria natureza do ensino, porque, se for depender da natureza dos políticos da minha escola, isso aqui é um lugar esquecido, quente, mais próximo do... Escola é realmente um lugar político. Que pena. Não deveria, pois se fosse um lugar de educação prima, una a trina, seria encantadora. Mas não vou reclamar, pois a escola é também igual a uma casa de família: um quer o peixe frito, outro quer cozido. No fim, todos comem peixe. Aliás, lembrei-me da possibilidade de meus filhos terem já acordado (um não gosta de peixe). E continuo a falar dos cursos e das modalidades oferecidas para nossa abandonada região xinguara e uma delas é licenciatura. Quando explico que licenciatura é para ser professor e que a maioria dos cursos são dessa área, tristeza geral. Nenhum olho brilha. É o único curso que faz o aluno ficar aqui com sua família, casar com sua paixão adolescente, jogar bola, pescar um pouco, passear pelas ruas ouvindo as canções dos bares e ter lindos filhos. Filhos! Devem ter acordado! Mas há o grave problema: ser professor. Após essa má notícia, ouço uns sussurros de que é melhor procurar uma faculdade na cidade próxima daqui. Não me lembro bem do nome dela, mas acho que tem ouro ou algo dourado, enfim, tem mais letras do que a sigla “UFPA”. E fim de papo. Só que sei que agora tenho que sair da sala porque um aluno fez questão de me lembrar (eles acham sempre que eu sou esquecido) que já são nove horas (e eu nunca tinha ouvido esse aluno falar antes). Olho o meu relógio: oito e cinquenta e nove. Como eu sou insuportável em um minuto. Já fora da escola, lembro-me de verificar o contracheque do mês. Nada de novo. Aliás, só a lembrança da fala de algum outro professor que alardou que novos cortes vêm aí. Acho que é por isso que nenhum olho brilhou hoje mais cedo, porque ser professor é uma escolha bastante difícil de se fazer, fácil de sair dela e impossível esquecê-la. Agora vou para casa ver meus amores. O que guardarei deste dia? Vou me lembrar da mão de um aluno que esticou seu braço na minha direção enquanto eu arrumava a fila sobre a aula do futuro, mão fria, eu lembro, e me disse timidamente em voz bem baixinha: “Professor, feliz Dia do Professor”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário