Por Mirinaldo
Deixa ver se estou entendo direito: no bojo do Coranavírus, nós católicos somos os histéricos e alguns “evangélicos” são os que estão imunes no camarote divino de onde nos veem sendo punidos por nossos atos pecaminosos por não sermos “evangélicos”? Estão soltando por aí versículos e mais versículos bíblicos como se tais citações fossem exclusividade de quem se denomina “evangélico” e que nós – católicos! – somos os ignorantes por não praticarmos tais decorebas, como se as concebêssemos como leis alienígenas ainda por serem desvendadas (decoradas)? Em outros termos: a palavra de Deus não é católica, por que não foi decorada por nós católicos? Para nós, o termo é “pandemia”, pois somos desprovidos da “fé Malafaia”, mas para alguns evangélicos o termo é “gripezinha”, por que o Bolsonaro a chamou de “gripezeinha”? Para nós é “quarentena”, mas para certos evangélicos o termo é “repouso”? Para nós é “ficar em casa”, para tais evangélicos é “ficar nos templos”, pois os líderes milionários precisam manter o fluxo de caixa? Para nós o vírus é “biológico”, para certos evangélicos é “vírus chinês”, por que Eduradinho Bolsonaro Testículos do Trump chamou-o de “vírus chinês”? Mas haverá tamanha coragem (que o Deus verdadeiro nos livre!) de afirmar que o Yaravírus, encontrado na Lagoa da Pampulha, em Minas Gerais, caso seja descoberto como patogênico e contamine o mundo, seja chamado de “vírus brasileiro”? Ou “vírus mineiro”? Isso dependerá de quantos católicos vivem no Estado de Minas Gerais? Ou de quantos católicos vivem no Brasil?
Vamos analisar mais intrinsecamente essa questão. Há muito mais por trás disso. Muito mais. Até milhões de evangélicos não sabem, nunca saberão e preferirão não saber, incluindo aí a mesma ou maior quantidade de católicos, mas O CRISTIANISMO É MAIS POLÍTICO QUE CRISTÃO. Por exemplo, a didática sobre Cristo é totalmente manipulada, tanto que ocorre uma doutrinação em linha, com metodologia definida e com resultados práticos claramente almejados. Nenhum ensinamento cristão leva a se viver o Evangelho de fato, apenas a praticá-lo em conformidade com ações condizentes com as orientações ideológicas do poder estabelecido. Ou seja, se não é em conformidade com o que está estabelecido nas Sagradas Escrituras, mas em conformidade com o Estado, dado o seu poder de barganha financeira e, portanto, de ascensão social e econômica, então não é o Evangelho, mas sim o Estado Evangélico. Foi assim desde a Idade Média, no Renascimento, na Idade Moderna e o é hoje. O Protestantismo criou a ilusão de que isso mudaria. Nunca mudou, porque não convinha mudar. Apenas camuflou, via retórica (neo)liberal, um discurso secular, adornado apenas por uma áurea espiritualista e de negação dos valores católicos, mas tão somente para ganhar terreno e adeptos, nunca para realizar uma trajetória de salvação (até porque muitos imaginam uma “autossalvação”, apenas por identidade não católica). E está aí o Evangelho sendo ensinado em metáforas. Jesus já usou as metáforas, mas nós deveríamos tê-las interpretado para irmos direto a uma ação concreta. Não: continuamos a usar metáforas. Ninguém fala como é, na prática (em casa), perdoar e amar o inimigo. Mas é fácil dizer que o perdão vem de Deus, que a oração somente é um ato de expiação. Ou seja, a distância entre o Evangelho e os fatos próprios da sua vivência é imensurável. Outro exemplo: ninguém ensina como é na prática dividir o que tem, mas se ensina a prática do dízimo, que é mais visível à sociedade do que dar a alguém anônimo que essa mesma sociedade nunca saberá quem é. O dízimo se tornou basilar na prática cristã. Em troca dele, há as infinitas práticas discursivas, com recursos linguísticos e cinéticos, capazes de fazer crer que, exercendo a prática do depósito, haverá o retorno nos bens materiais.
Isso não é cristianismo. Nunca foi. Mas dizem freneticamente que é. E não é só um que acredita. São milhões. De onde é isso? Do sistema político! É lá que estão estabelecidas as relações sociais das trocas de bens, do depósito, do saque, da propriedade, do direito individual, da filosofia da prosperidade individual, das correções de valores, das discriminações das castas sociais, do toma-lá-dá-cá, dos acordos entre lideranças para fins próprios, da lei da justiça como defensora dos que detêm seus meios financeiros tidos como bravuras, das limitações dos direitos de raças, sexo, etnia, classes sociais, da pobreza como sinal de desumanização (mas da riqueza como elevação espiritual). São apenas alguns exemplos. Usar as metáforas nas chamadas pregações do Evangelho é uma forma de não quebrar a venda dos olhos e, principalmente, manter dentro do falso espírito cristão a ideia de realização humana – acredite – por ser cristão. Também faria o cristianismo romper com o Estado, o que levaria a um caos completo, já que um Estado diferente do que está aí não existe, apenas se mantém o seguinte acordo: tal grupo fica aí no poder, sustentado por nós, mas se houver a necessidade de substituição, nós assumimos a partir de então. Grupos já consagrados economicamente concordam em se firmar no núcleo duro do Estado sendo apoiados sem qualquer anomalia, graças pelo que liberam nos acordos de não interferência na perfeita doutrinação que equilibra os cidadãos socialmente: a moral cristã. Por isso, Bolsonaro precisa falar de moral, de família.
Mas o que isso tem a ver com o que disse no primeiro parágrafo? Simples: que quem está atacando os católicos como sendo vítimas de uma praga de Deus por serem católicos não o faz por princípio cristão algum. Todo esse princípio advém do Estado, é uma fala do Estado. E tem que ser do Estado, pois, agora, mais do que Coronavírus, há a força do poder econômico, totalmente ameaçada. A maioria dos católicos não constituiu o representante do poder atual, por isso sua permanência não convém. Mas para alguns evangélicos, isso é retrocesso, e, sem o seu líder, seria aprender a desmamar. Mas por que não o fazem com as metáforas? As metáforas são recursos linguísticos para o próprio rebanho. Para o embate direto com a ameaça ao poder, o sentido é literal, já que também esse mesmo discurso vem impregnado da autoproclamação do dom divino. Nesse caso, esse mesmo discurso utiliza os fatos bíblicos contra os que atacam seus interesses. Então, se Bolsonaro disse que se trata de uma “gripezinha”, então é uma “gripezinha”, pois os que vão morrer são os que dançaram carnaval (e pagarão por suas metáforas). E são católicos. Não se trata de defesa do cristianismo, mas do Estado ora constituído (de direita, com grande apoio dos protestantes, ultraconservador, neoliberal, capitalista, e alguns outros “istas”).
Portanto, sei que é meio chato num período como este tratar de algo tão mesquinho assim. Mas não sou daqueles católicos que aceitam ser tratados como não cristãos e como condenado sem o nosso Deus ter me condenado. Sou Católico Apostólico Romano, sou crente, sou evangélico, sou cristão. Já o Coronavírus...
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