terça-feira, 12 de novembro de 2013

Na fé da razão




 
Eu creio em Deus.
Tão simples assim.
Não sei por que os homens
Já zombam de mim.
A fé que eu tenho
É igual a de todos,
Com um diferencial:

Não quero ser todos.

De pose erguida,
De peito aberto,
Assim são os homens,
Achando-se certos,
Cuspindo nos verbos,
Nos textos de versos.

E saem as palavras de aclamação,
Reviram-se os olhos,
Se rasgam as mãos,
São gritos e gritos
Em fermentação.

As igrejas de fora
Só matam as de dentro,
Traduzem essências
Em vãos sentimentos,
Recriam a mentira
Em pobres momentos.

O Livro Sagrado
Sozinho está,
Somente leitores
O domam no lar.
Na vida são folhas
Caídas ao mar.

Porque ser cristão
É igual a uma roupa:
Mostra só fora,
Por dentro é estopa.
E assim vêm as lágrimas
Do santo calvário,
O verbo primário
Cravado no chão.
Dizer que o ama
Já vale um tostão.

E as sanguessugas
Agora farejam,
Rastejam em serpentes,
Remoem os bolsões,
Inflamam as almas
Já tristes de história,
E vendem uma glória
Que o diabo lhes deu.

E a fantasia agora se aclama,
Levanta da cama
Ossos despojados,
Oferece aos céus
Um fraco coração
E guarda nos bolsos
As glórias da terra.

Se é paz, se é guerra
Já não me importa,
Toda porta torta
Está doida de razão.

Razão é o nome
Que alimenta a fé,
Pois sei que isto é
Como comprovação:
Se um remédio não cura
Cura a oração.

E assim várias portas
Já levam ao inferno
E fingem os invernos
Com raios, trovões.

Se é profecia
Bem sei que assim é,
Mas medo não há,
São só sopros de bocas,
Malditas e ocas
Das cifras de pão.

Da terra aos céus
Não há mais direção,
A não ser que a razão
Assim vá conceber.
Enquanto episódios
Consomem as carnes
O lucro aqui arde
Em boas direções.

Ninguém está errado,
O certo é alguém mesmo,
Ninguém mais contesta
O lombo na testa
Dizendo:
Eu sou santo.

Então falsos prantos
Acabam o silêncio
E enchem os ventos
De falsos clamores.
Não há mais doutores
Na face da terra
Na maldita guerra
De fé e razão.

A paz decadente das religiões
Gerou maus botões
Que apertam a camisa.
Criou duas faces em todas as bocas:
Por fora se diz: “Paz entre os credos”
E dentro se range: “Que a morte te leve”.

Tudo é tensão
Na realidade.
Nada se fala
Sem
Olhos legais.
Até o juiz faz santo juízo:
Aqui pode isso, ali já não mais.

Quem tem a razão é quem tem fé?
Pois se assim for, fé o que é?

E dizem as bocas
Que própria é a razão
E que todo cristão
É por si governado.
Se o circo é assim, então
Mais questão:
Eu estou falando de igreja
Ou de leis do Estado?

Alguns condutores
De fortes falácias
Levantam os médicos
E lhes destituem a razão
E levantam do chão
Então seus exames
E mandam que os chamem
“Milagres, irmãos!”.

Já há nova bíblia
Nas mãos tenebrosas,
Pois dizem o que querem
E já mostram suas provas.
Quem é que contesta
Uma voz forte e grossa?!

Se cada cristão tem sua razão
Então não há razão
Para a fé existir.
Já bastam os homens
De ares cordeiros
Tão bons justiceiros
Que gabam a si.

Se o centro de tudo
Foi capitalizado,
A fé no Estado é submissão.
Se erguem as fardas
E baixam-se as batas,
Antes que se batam
A fé e a razão.

Fé é produto
De boa propaganda
E quem nela manda
Descreve o que é.
Os outros decoram
E pagam o dízimo.
Daí saem santos
Em nome da fé.

Religião é milagre
E ponto final.
Senão não atraem os homens do mal.
Mais forte é quem cria
Mais boi no curral.

De juízo final
Ninguém mais tem medo.
Já não é segredo
Se Deus vem ou não.
Só é cálix bento
O vinho azedo
Que embriaga
O estômago
Da boa razão.

Eu disse então antes
Que creio em Deus
Igual aos demais
Da venda do céu.

Não quero ser todos.
Isso não, nunca.

O que me proponho
A não ser os demais
É ter uma paz
Que sim se conquista.
Não é uma missa
Que a isso me traz.

Fazer um projeto
De relação
Onde a tal razão
Um pouco sucumbe,
Deixando meu ser
Alcançar bom vislumbre.

Usar a razão
Pra dizer como fé
É matar grandes almas,
E negar que isso é.

Não vale essa equivalência
Entre o santo e o governo.
A fé é maior, mas
Só a negam, é segredo.
Então seguem todos
A um fatal degredo.

Não falar para agir,
Assim não me culpam
De incoerência,
Embora a demência
Entreguem a mim,
Pois quem não fala
De fé
Fé nunca tem,
Só valem os gritos.
Assim a concebem.

Discordo já disso,
Pois penso em sentir,
Ouvir sem barulho,
Até quando há vozes, pois
Sei que o silêncio
É vocação.
Então a razão
Já sai de lugar
E deve sugar
O tão seco chão.

Em fé volta o homem
À essência de tudo.
De tudo liberta-se
E faz renovação.
Refaz até a razão
Por passos da fé,
Pois já viu como é
Se errar,
Erra são.

Mas a natureza
Negou o retorno,
Não vale o suborno
Da essência dela.
Por isso que o homem
Já está condenado
A vagar pelo mundo
Recriando as guerras.

Então perde a fé, antes mesmo
Que o homem.
Pois se some ela
Ele em tudo é nulo.
Só vive a pagar
Os erros da história
E a sonhar com a glória
De em tudo vencer.

Mas vencido já sabe
Que o céu pouco alcança,
Então sua balança
Só pesa o mercado.
E o pouco salário
Que ganha na terra
Comprará morte eterna
A razão isso paga.

(Mirinaldo)

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