quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O QUE VOCÊ APRENDE HOJE



O QUE VOCÊ APRENDE HOJE

Hoje, nestes tempos de transformações, você aprende que essas transformações deixam você do avesso, que seus sentimentos não são mais doces como antes e que também antes você os sentia amargos e que, por conta disso, você se sente amargo ainda hoje, porque os sentimentos sempre foram provados aos poucos e você era o ser amargo consigo mesmo dessa história toda. Hoje você aprende que não precisa mais tocar em ninguém e que ninguém dá a mínima para isso. Você aprende que redes sociais são o suficiente para você fingir ser alguém que nunca vai ser e que SER hoje é uma questão apenas de orgulho. Você aprende que orgulho é fruto de uma imagem pré-concebida, não por você, mas pelos que manipulam você para que você seja assim. E sendo assim, você aprende que o que você busca é o imediatismo e que esse imediatismo fez de você um ser efêmero e medroso, temendo sumir nos flashes do mundo.
Você aprende que o mundo é pequeno e que isso não responde às perguntas existenciais e que, portanto, você sabe apenas que existe.
E só.
Você aprende que só existir é banal e que você precisa realizar algo fabuloso, diferente. E você descobre que tudo o que faz é pouco notório, mas muito mais passageiro do que o momento em que você criou o que pensou ser surpreendente. Você aprende, então, que nada mais o surpreende, pois você também não se surpreende com nada. Nem com ninguém.
Você aprende que as comidas dos ricos e as dos pobres são iguais, mudam apenas a quantidade e o estilo. Você aprende que tem que ser magro, pois os gordos não fazem as mais caras propagandas e que seu filho tem que ter um bonito cabelo, pois o seu cabelo já é igual ao de alguém.
Você aprende que em todos os setores do Brasil há erros grosseiros de gramática e que isso, para você, é normal. Daí que “portugues” não precisa ter acento. Você aprende que os que mais estudaram não “pegaram” as melhores meninas da escola, não ficaram ricos e andam de bicicleta ou a pé e que seus professores são um exemplo de como você não quer ser, pois estes mesmos professores foram os que influenciaram seus amigos inteligentes e pobres.
Você aprende que se tivesse sonhado menos e feito mais loucuras, você seria mais feliz e realizado e, com isso, teria mais vantagens para contar aos seus netos. Você aprende que netos são o sinal de que  você está velho e que estar velho já sinaliza que você vai logo parar a sua sumária existência. Você aprende que família é algo relativo e que pode ser até a sua vizinha uma grande mãe e que até pode dizer que seu amigo de escola é seu irmão, tanto faz o conceito. Você não tem conceito mesmo.
Conceito para você é o mesmo que decoreba. E que decoreba é fácil e que o ajudará a fugir da escola o quanto antes. Você aprende que educação não o leva a subir na vida, pois subir na vida envolve mais atitude que conhecimento. Então você escolhe o caminho mais fácil para a sua subida, sem se preocupar nunca em descer. Se você desce, então você aprende que ter sido inteligente teria ajudado muito.
Você aprende que é com “jeitinho” que se resolvem as coisas e que os ditos honestos são os que vão ficar no último lugar.
Você aprende que amor é uma besteira e que casamento é tudo igual, por isso você não se anima muito, pois você quer fazer algo diferente. Você aprende, então, que não vale a pena casar, pois você nunca vai saber se amou de verdade ou se foi amado ou traído. Entre trair e amar, você aprende que é mais provável a traição que o amor. Você aprende que traição não deixa dúvidas e que amor nunca se explica. Então, sobra o risco. Então é tudo medo.
E você casa. Então você aprende que seu trabalho e seu casamento são iguais e que você passou a vida toda tentando salvar o segundo usando o primeiro. E descobre, enfim, que o trabalho foi sua primeira rotina, enquanto o casamento estende essa rotina à sua casa. A diferença é espacial.
Você aprende que a sociedade não gosta de você, porque a mídia nos tornou iguais e ela o tornou suspeito também. Você aprende que ser suspeito é simples e que ser condenado é uma forma de sustento pelo governo e que as leis do seu país
são hilárias o suficiente  para dar a você a escolha entre a escola sem sucesso e de péssima merenda e a prisão, amiga do crime. Então você aprende que essa escolha não depende muito de você e que seus amigos vão conduzi-lo sutilmente à escolha da cadeia, provando que você é tribal e forte.
Você aprende que lei é uma pedra no caminho e que enquanto a burocracia e os trâmites rastejam lentamente, você pode arrumar meios de rolar essa pedra com um sopro ou com a ponta do dedo.
Você aprende que miséria é uma questão midiática e que corpos estraçalhados sendo fotografados não comovem mais e que se não é com você, isso não quer dizer nada.
Você aprende que ter culpa é uma questão de fraqueza e que o perdão não compensa, pois você não vê erros em si mesmo e, se precisar pedir desculpas a alguém, a responsabilidade final é desse alguém. Você já se conformou em pedir desculpas e que já pode virar as costas e postar isso no Facebook.
Você aprende que não faz diferença achar vida em Marte, a cura da AIDS, promover o desarmamento das potências mundiais, aumentar a construção de escolas, decretar o fim da fome, ofertar os perdões das dívidas entre as nações, conhecer a cor do papa, saber o inglês como língua mundial, o aquecimento global ser controlado, as calotas polares pararem de derreter, os desastres ambientais cessarem, o fim das queimadas irresponsáveis, a condenação severa e justa dos caras lá de cima, o fim do aborto, o fim da pobreza e da miséria, as eleições limpas de fato, novos políticos no poder, a paz no Oriente Médio, o abraço entre as Coreias, o homem conquistando a Lua, o que há nos buracos negros, o fim do preconceito, enfim, ver melhorados todos os temas que você abordou tanto nas redações escolares.
Nada disso vai ter importância para você. Afinal, você aprende que deve se sentir só no mundo e que a sua ilusão é sua responsabilidade. Mas o culpado é o Estado.
Você aprende que política é feita como forma de ascensão social dos vencedores e que os fracos vão sempre se submeter a ver a vitória dos mesmos rostos que não dizem nada. Por isso você aprende que votar é um ato mecânico, já que a mente e o espírito adormecem nas reflexões e morrem no colo da miséria.
Você aprende que os políticos se veem como deuses, como imortais e você descobre que eles são assim porque muitos os elegeram dessa forma, e o pior de tudo, um deles é você. Mas você aprende outra coisa: que depois de um mandato vem outro. E torna a aprender que o problema da política não é a política, nem os políticos; você, sem querer aprender, aprende que o problema é seu mesmo. Mas, enfim, vem o último aprendizado dessa sequência: você aprende que é melhor deixar assim.
E não mudando o mundo, você aprende que tem que culpar os políticos, pois você já fez a sua parte e não entende por que nada muda. Então você aprende que deve “punir” os políticos fazendo-os ir até a sua porta pedir seu voto e você dramatiza um charme de dificuldade e depois estufa o peito dizendo: “Agora eu já decidi”.
Você aprende que a religião é fraca, que o poder dela é apenas político e que, portanto, não há necessidade de seguir religião nenhuma. Você aprende que viver sem religião é muito melhor, pois você crê que agora Deus está perto de você e que agora, sim, é mais fácil fazer as escolhas. Daí você aprende que você tem que fazer um deus do seu próprio modo e que a contestação a ele é refutada por você com as explicações constitucionais de direito de expressão religiosa. Enfim, você não quer aprender, mas aprende que seu deus inventado é constitucional.
Você aprende que as religiões sensacionalistas se apoiam na ciência para explicar um cego que passou a ver, um coxo que passou a andar e que a fé consiste em você ir àquela igreja e se dizer membro dela, não sendo necessário provar nada, porque os líderes do sensacionalismo nunca provaram fé nenhuma, porque eles nunca souberam o que é fé e que fé se prova de dentro para fora e, como não é assim, eles nunca saberiam o que fazer para provar que alguém está salvo. Então você aprende que a excitação e a euforia são suficientes para animar um público e, depois, deixá-lo solto a sofrer pelo mundo mais do que antes.
Você aprende que meio ambiente é uma rua que recebe o lixo que você produziu e que dela tudo é recolhido. Pronto, você já se sente cidadão do mundo.
Você aprende que ajudar os outros é uma forma de você se promover e que, portanto, só vale a pena ajudar se ficar bem claro quem fez isso: você. Pois mais do que o sentido, o que vale para você é a forma como você aparece e não o que muda na vida de quem é ajudado.
Você descobre que sabe tantas coisas, mas no final de tudo você se enganou e passou a ter a mesma certeza da Filosofia e que ela mais uma vez acertou algo sobre você enquanto você pensava que poderia conquistar o mundo e manipular as pessoas. Daí você aprende que fracasso e sucesso coexistem num limite tênue e preocupante. Então você aprende de novo: eu sou mais fracasso.
Enfim, quando tudo enfim e ao fim de tudo que, na verdade, começa outro fim, você aprende que a mortalidade é a única certeza que você tem e que a morte não tem tantos mistérios assim, pois afinal, o que não se explica já é por si só uma explicação. E daí vem a maior de todas as lições da sua vida: você aprende que perdeu muito tempo lendo este texto, pois lá fora a sua vida foi deixada de lado para que seus olhos se reduzissem a atentos elementos que, como você por inteiro, continuam a entrar no ciclo da eterna busca na efêmera existência. Então você não viu a vida. O que mais você quer aprender?


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