quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O SUPERPODER



O SUPERPODER
Consolidação da democracia ou centralização de poder?

A Transamazônica e Xingu compõem uma região historicamente aquém do desenvolvimento social, econômico e político. Tudo que aqui aconteceu foram objetos que formam o que podemos chamar de “farsa desenvolvimentista”. Essa expressão se remete ao fato milenar de distrair o povo com a alimentação de sonhos, com as renovações de promessas de transformações nas áreas sociais através do big bang hipnótico, pirotécnico, que na verdade tem funcionado muito bem em favor de grupos dominantes muito organizados e prontos para dar continuidade aos atos sucessivos de exploração e enriquecimento, na maioria das vezes ilícitos.
Tudo foi pensado, em primeiro, como ludibriar o povo e fazê-lo participar e ajudar na consolidação de projetos megafaraônicos que, na prática, fizeram toda a população pobre submergir a regiões mais profundas da miséria e do abandono. A História é triste como o leite da seringueira escorrendo por seu caule e trazendo miseráveis e famintos por boas realidades para cá. O ciclo do sangue branco conseguiu avermelhar ao ponto de ceifar vidas nordestinas e indígenas ao bel prazer do surgimento do latifúndio na região. Os homens que garantiram suas terras (que podiam se medidas com uma fita métrica de uma costureira) estavam, na verdade, regando o solo para o futuro gado.
A maioria esmagadora teve que se desfazer do seu miserável e ilusório chão para dá-lo, em troca de bananas, aos fazendeiros que, por sua vez, prometeram um novo progresso ao inferno vermelho: exportar gado e desenvolver a região, incluindo-a no patamar do centro econômico do Estado. Passaram disso para o cacau. Acrescentaram ao seu legado a política. Através dela, conseguiram se banquetear dos recursos públicos e se favorecer pelos esquemas das “laranjas”. Com o apoio de políticos inescrupulosos, como Jader Barbalho, Simão Jatene e tantos deputados federais e estaduais, os projetos aqui chegaram e os recursos também. E não foram poucos. E sempre vieram. Mas os poderosos da região aperfeiçoaram seus esquemas e deram novo vigor à palavra corrupção.
Com uma imprensa estúpida e analfabeta (com ataques grosseiros à nossa gramática), com um judiciário “mui amigo”, com uma polícia violenta e despreparada para defender o povo, além de verdadeiros esquemas de nepotismo, empregos fantasmas, falsas prestações de contas, notas frias com a ajuda do comércio vilão, falsos projetos, formação de caixa 2 e a mais cruel das violências: assassinatos encomendados, além de muitas outras formas de desvios, os poderosos foram se fortalecendo e, através dos shows pirotécnicos dos comícios (showmícios) e da maciça compra de votos através de empregos, cestas básicas, materiais de construção, passagens, cirurgias, camisetas, bebidas, churrascos, festas, patrocínios, uso da máquina administrativa, o povo foi se encantando e se deixando levar pelo discurso de que a Transamazônica vivia seus novos tempos. Nem água nas torneiras, mas o povo acreditava mais e mais.
Os políticos ganharam, mais do que nunca, o status de “subdeuses”, ou seja, abaixo de Deus, vinham logo eles. Então seu poder passou a ser inquestionável.
Criaram a Amut e o Consórcio Belo Monte. Pronto. O quartel ficou montado. Com esses instrumentos, os homens executivos só precisavam de mais dinheiro para capitalizar seus interesses próprios e dominar de vez todos os pontos de resistência locais.
Daí caiu do “céu” o projeto Belo Monte. Sinônimo apenas de dinheiro e nenhum de progresso, o grupo Norte Energia se “prefeiturizou” e submeteu todas as autoridades locais, absolutamente todas, ao seu julgo nada leve e totalmente pesado. Tornou as prefeituras as suas subsedes, seus pontos de comando e injetou-lhes grandes somas de dinheiro adquirindo para si todas as cotas de interesses e fazendo dos prefeitos meras marionetes. Mas isso não completaria o ciclo, que aliás, ainda está em processo. O que faltava ainda era que, em troca dessa injeção desenfreada de recursos que nunca são do conhecimento popular, os homens executivos deveriam submeter ainda mais o que eles já sempre humilhavam: o povo e suas lideranças. As primeiras vítimas foram os povos indígenas, o símbolo máximo da antiga resistência à velha (e agora nova) Kararaô. Mas disso, a própria Norte Energia “cuidou”. Nas cidades, os prefeitos teriam a incumbência de deter o poder total, inclusive sobre as igrejas e eliminar todos os focos de atuação sindical.
Foi mais fácil do que se pensava. Prefeitos passaram a encher suas folhas de pagamento, empregando, estrategicamente, membros de famílias ligadas à luta e às igrejas. Por fim, as cabeças foram favorecidas. As igrejas perderam muitos de seus líderes locais que foram ganhar dinheiro no projeto e nas prefeituras. Os sindicatos e associações passaram a apenas meros representantes de histórias antigas de lutas e resistências. Museus de memórias. Alguns aumentos insignificantes foram dados a funcionários e se fortaleceu, com toda força, em toda a região, a política do assistencialismo. As prefeituras passaram a fornecer, com recursos próprios da Norte Energia, quase tudo para a população.
O objetivo maior com essa assistência pontual e datada é adormecer o povo e não permitir que suas entidades civis e religiosas protestem contra os descasos, o exibicionismo e o autoritarismo dos homens executivos. Os poderes legislativos agora passam a não representar nada. Sua função foi alterada para guarnecer e blindar prefeitos corruptos em troca da sua cota de empregos aos parentes e amigos e aprovar, sem ler nem questionar, prestações de contas e projetos.
Feito isso, aconteceu, enfim, a consolidação que os prefeitos tanto esperavam: a do SUPERPODER.
Ninguém mais é tão venerado, cultuado e esperado como um prefeito nessa região. Para trás ficam os outros: padres, pastores, líderes inúteis e alguns sindicatos fajutas. Se um prefeito toca uma criança, isso é quase uma bênção. Se a põe no colo, isso é quase uma salvação. Uma foto com um prefeito pode ser sinônimo de prestígio e sublimação social. Enfim, o povo, pelo menos sua maioria, só vê algo maior se for o próprio Deus.
Ao lado de tudo isso, constatamos uma coisa: chegamos ao fundo do poço. Atingimos todas as nossas camadas de ignorância e miséria da alma humana, abandonamos tudo para nos aproximarmos de alguém que tenha poder. Alguém poderia me questionar agora: mas isso sempre foi assim. E eu complemento: mas nunca foi tão forte assim.
Este momento de máxima ilusão que vivemos até nos faz esquecer que o empreendimento Belo Monte tem prazo para findar: 2020. Depois disso, o SUPERPODER vira apenas PODER. Os prefeitos não terão mais os mesmos recursos e, por isso, já têm que pensar na próxima mentira. Sim, porque prometeram terra para homens sem-terra e nada. Prometeram os investimentos da Sudam e nada. Agora estão prometendo Belo Monte como a varinha de condão. E já digo: nada. Nada, porque tudo isso é efêmero, logo estaremos a ver os destroços que ficarão. Não será só a geografia que irá mudar para pior nesta região. A nossa dignidade também. Agora estamos pior que os índios quando no descobrimento do Brasil, eles, ao menos, não conheciam bem o que estavam fazendo. Mas nós! Nós gostamos tanto de repetir erros, que depois de 513 anos, ainda vamos escolher os espelhinhos.  
E para concluir, vale questionar: E quem controla isso tudo? Quem decide sobre as coisas? Quem vai pagar por tudo? Quem vai nos tirar do inferno que será esta região? Quem vai resolver os fenômenos Belo Monte? E a maior pergunta: quanto já estão pagando por tudo isso?
Respostas? Nenhuma. Aí está um ponto fraco dos superpoderosos: eles terão que arcar com o pós-barragem. Mas quanto a isso, não se preocupe, ainda dá de comprar muitas cestas básicas. E espelhinhos!

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