O SUPERPODER
Consolidação da democracia ou
centralização de poder?
A Transamazônica e Xingu compõem uma região historicamente
aquém do desenvolvimento social, econômico e político. Tudo que aqui aconteceu
foram objetos que formam o que podemos chamar de “farsa desenvolvimentista”.
Essa expressão se remete ao fato milenar de distrair o povo com a alimentação
de sonhos, com as renovações de promessas de transformações nas áreas sociais
através do big bang hipnótico,
pirotécnico, que na verdade tem funcionado muito bem em favor de grupos
dominantes muito organizados e prontos para dar continuidade aos atos
sucessivos de exploração e enriquecimento, na maioria das vezes ilícitos.
Tudo foi pensado, em primeiro, como ludibriar o povo e
fazê-lo participar e ajudar na consolidação de projetos megafaraônicos que, na
prática, fizeram toda a população pobre submergir a regiões mais profundas da
miséria e do abandono. A História é triste como o leite da seringueira
escorrendo por seu caule e trazendo miseráveis e famintos por boas realidades
para cá. O ciclo do sangue branco conseguiu avermelhar ao ponto de ceifar vidas
nordestinas e indígenas ao bel prazer do surgimento do latifúndio na região. Os
homens que garantiram suas terras (que podiam se medidas com uma fita métrica
de uma costureira) estavam, na verdade, regando o solo para o futuro gado.
A maioria esmagadora teve que se desfazer do seu miserável e
ilusório chão para dá-lo, em troca de bananas, aos fazendeiros que, por sua
vez, prometeram um novo progresso ao inferno vermelho: exportar gado e
desenvolver a região, incluindo-a no patamar do centro econômico do Estado.
Passaram disso para o cacau. Acrescentaram ao seu legado a política. Através
dela, conseguiram se banquetear dos recursos públicos e se favorecer pelos
esquemas das “laranjas”. Com o apoio de políticos inescrupulosos, como Jader
Barbalho, Simão Jatene e tantos deputados federais e estaduais, os projetos
aqui chegaram e os recursos também. E não foram poucos. E sempre vieram. Mas os
poderosos da região aperfeiçoaram seus esquemas e deram novo vigor à palavra
corrupção.
Com uma imprensa estúpida e analfabeta (com ataques
grosseiros à nossa gramática), com um judiciário “mui amigo”, com uma polícia
violenta e despreparada para defender o povo, além de verdadeiros esquemas de
nepotismo, empregos fantasmas, falsas prestações de contas, notas frias com a
ajuda do comércio vilão, falsos projetos, formação de caixa 2 e a mais cruel
das violências: assassinatos encomendados, além de muitas outras formas de
desvios, os poderosos foram se fortalecendo e, através dos shows pirotécnicos
dos comícios (showmícios) e da maciça compra de votos através de empregos,
cestas básicas, materiais de construção, passagens, cirurgias, camisetas,
bebidas, churrascos, festas, patrocínios, uso da máquina administrativa, o povo
foi se encantando e se deixando levar pelo discurso de que a Transamazônica
vivia seus novos tempos. Nem água nas torneiras, mas o povo acreditava mais e
mais.
Os políticos ganharam, mais do que nunca, o status de “subdeuses”,
ou seja, abaixo de Deus, vinham logo eles. Então seu poder passou a ser
inquestionável.
Criaram a Amut e o Consórcio Belo Monte. Pronto. O quartel
ficou montado. Com esses instrumentos, os homens executivos só precisavam de
mais dinheiro para capitalizar seus interesses próprios e dominar de vez todos
os pontos de resistência locais.
Daí caiu do “céu” o projeto Belo Monte. Sinônimo apenas de
dinheiro e nenhum de progresso, o grupo Norte Energia se “prefeiturizou” e
submeteu todas as autoridades locais, absolutamente todas, ao seu julgo nada
leve e totalmente pesado. Tornou as prefeituras as suas subsedes, seus pontos
de comando e injetou-lhes grandes somas de dinheiro adquirindo para si todas as
cotas de interesses e fazendo dos prefeitos meras marionetes. Mas isso não
completaria o ciclo, que aliás, ainda está em processo. O que faltava ainda era
que, em troca dessa injeção desenfreada de recursos que nunca são do
conhecimento popular, os homens executivos deveriam submeter ainda mais o que
eles já sempre humilhavam: o povo e suas lideranças. As primeiras vítimas foram
os povos indígenas, o símbolo máximo da antiga resistência à velha (e agora
nova) Kararaô. Mas disso, a própria Norte Energia “cuidou”. Nas cidades, os
prefeitos teriam a incumbência de deter o poder total, inclusive sobre as
igrejas e eliminar todos os focos de atuação sindical.
Foi mais fácil do que se pensava. Prefeitos passaram a
encher suas folhas de pagamento, empregando, estrategicamente, membros de
famílias ligadas à luta e às igrejas. Por fim, as cabeças foram favorecidas. As
igrejas perderam muitos de seus líderes locais que foram ganhar dinheiro no
projeto e nas prefeituras. Os sindicatos e associações passaram a apenas meros
representantes de histórias antigas de lutas e resistências. Museus de
memórias. Alguns aumentos insignificantes foram dados a funcionários e se
fortaleceu, com toda força, em toda a região, a política do assistencialismo. As
prefeituras passaram a fornecer, com recursos próprios da Norte Energia, quase
tudo para a população.
O objetivo maior com essa assistência pontual e datada é
adormecer o povo e não permitir que suas entidades civis e religiosas protestem
contra os descasos, o exibicionismo e o autoritarismo dos homens executivos. Os
poderes legislativos agora passam a não representar nada. Sua função foi
alterada para guarnecer e blindar prefeitos corruptos em troca da sua cota de
empregos aos parentes e amigos e aprovar, sem ler nem questionar, prestações de
contas e projetos.
Feito isso, aconteceu, enfim, a consolidação que os
prefeitos tanto esperavam: a do SUPERPODER.
Ninguém mais é tão venerado, cultuado e esperado como um
prefeito nessa região. Para trás ficam os outros: padres, pastores, líderes
inúteis e alguns sindicatos fajutas. Se um prefeito toca uma criança, isso é
quase uma bênção. Se a põe no colo, isso é quase uma salvação. Uma foto com um
prefeito pode ser sinônimo de prestígio e sublimação social. Enfim, o povo,
pelo menos sua maioria, só vê algo maior se for o próprio Deus.
Ao lado de tudo isso, constatamos uma coisa: chegamos ao
fundo do poço. Atingimos todas as nossas camadas de ignorância e miséria da
alma humana, abandonamos tudo para nos aproximarmos de alguém que tenha poder.
Alguém poderia me questionar agora: mas isso sempre foi assim. E eu
complemento: mas nunca foi tão forte assim.
Este momento de máxima ilusão que vivemos até nos faz
esquecer que o empreendimento Belo Monte tem prazo para findar: 2020. Depois
disso, o SUPERPODER vira apenas PODER. Os prefeitos não terão mais os mesmos
recursos e, por isso, já têm que pensar na próxima mentira. Sim, porque
prometeram terra para homens sem-terra e nada. Prometeram os investimentos da
Sudam e nada. Agora estão prometendo Belo Monte como a varinha de condão. E já
digo: nada. Nada, porque tudo isso é efêmero, logo estaremos a ver os destroços
que ficarão. Não será só a geografia que irá mudar para pior nesta região. A
nossa dignidade também. Agora estamos pior que os índios quando no
descobrimento do Brasil, eles, ao menos, não conheciam bem o que estavam
fazendo. Mas nós! Nós gostamos tanto de repetir erros, que depois de 513 anos,
ainda vamos escolher os espelhinhos.
E para concluir, vale questionar: E quem controla isso tudo?
Quem decide sobre as coisas? Quem vai pagar por tudo? Quem vai nos tirar do
inferno que será esta região? Quem vai resolver os fenômenos Belo Monte? E a
maior pergunta: quanto já estão pagando por tudo isso?
Respostas? Nenhuma. Aí está um ponto fraco dos
superpoderosos: eles terão que arcar com o pós-barragem. Mas quanto a isso, não
se preocupe, ainda dá de comprar muitas cestas básicas. E espelhinhos!
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