quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PROFESSOR, MISSÃO DE QUÊ?



PROFESSOR, MISSÃO DE QUÊ?

A presidenta Dilma, no seu discurso de posse, disse que a educação só vai melhorar quando o professor for o verdadeiro protagonista do processo educativo. Uma apresentadora de TV disse que achava que professor deveria ser o mais bem pago de todas as profissões. Programas de governos municipais ganham frases mirabolantes que parecem dar à educação e ao professor uma magnitude esplêndida.
Mas isso tudo é balela. Um dia desses, vi uma reportagem na TV Liberal, o canal que mais odeia os professores do Pará, e que chamou minha atenção. Era sobre um professor que remava como um condenado pelos rios da Amazônia, tendo até que carregar a canoa para levar um projeto de futebol a alunos isolados na floresta. A reportagem encheu esse homem de honras. Também, muito antes dessa reportagem, cheguei a ver dezenas de outras matérias que mostravam professor em cima de jegue, cavalo, canoa, andando por caminhos fechados ou pelo cerrado da caatinga. Ao final de todos esses exemplos, sempre vinha uma frase: isso que é dedicação!
Você já parou para pensar nessa ideia estúpida que a mídia passa sobre o que é ser bom professor? Já prestou atenção nas novelas, como aparece uma professora boazinha, grande amiga e que demonstra não necessitar de salário?
Pois é. Esse é o professor da Rede Globo, da Record, do SBT e de todos os meios de comunicação a serviço da ideologia dominante. A do professor tapa-buraco, o sofredor, pagador de promessas, que ri em meio à própria desgraça.
Nessa imagem de “professor perfeito” está a ideia de homens e mulheres que devem amar, dedicar-se sem medida ao ensino, à escola, ao sistema. Devem ser desprendidos, humildes, submissos e viver dando aulas com um violão ao lado, mesmo sendo indivíduos que têm obrigações sociais e políticas.
Falando em política, a imagem do “professor perfeito” da mídia é de alguém que domina conteúdos, é um transmissor de assuntos, mas é um ser limitado ao que chamam de escola, que também, pela mídia, é colocada como um lugar de recreação e de assimilação de matrizes estabelecidas pelo governo federal. “Professor perfeito” não faz greve. Aliás, já prestaram atenção que quando se noticia uma greve de professor, geralmente só se mostra entrevista de pais e alunos revoltados, que estão perdendo aula e conteúdos? Professor, em greve, não perde nada. É folga. É manha. Aluno e pai perdem tudo. Enquanto a gente se distrai ouvindo as lamentações, a gente, ao final de uma reportagem dessas, não sabe por que aconteceu a greve. Outra: professor não pode ir às ruas com faixas e cartazes reivindicar algum direito. Isso é falta de educação. Portanto, professor é uma árvore cuja raiz fica na sala.
Outra coisa: você sabia que o “professor perfeito” da mídia é mentiroso? Não? Pois é, passa-se essa ideia. Quando professores grevam por melhores salários ou por melhores condições de trabalho, alguém do governo vem e diz que tudo já foi feito. E as reportagens são tão bem montadas que até professor desprevenido cai e acredita que o que os seus colegas estão fazendo é sem fundamento.
Viram? Professor não pode pensar.
Outra imagem criada pela mídia é a do professor carrasco, mal-amado, desgostoso da vida. Ele geralmente é ignorante, estúpido, um bruto, porque estaria vivendo mais pelo salário que pelo amor ao trabalho na educação. Ou seja, professor quando recebe pelo que trabalha passa a ser alguém amargo, solitário, assexuado, estrábico, desprovido até de boas maneiras.
Quando há algum pretenso prestígio ou é demagogicamente apresentado, o professor é alguém sério, com voz firme, com discurso linear, científico, sem emoção, sem movimento. Ou então, quando é legal é alguém que se mete na vida dos alunos, ouve segredos, dá conselhos pessoais, abraça, é engraçado, canta o tempo todo e vive na profissão sem saber para quê.
Mas o mais engraçado nisso tudo é o paradoxo da mídia. Ao mesmo tempo em que fantasia, ao seu modo, a figura do professor, profetiza que está nas mãos desse profissional o futuro da nação e que ele irá trazer as mudanças de que o país precisa. Político, então, adora contar uma balela em cima de professor.
E não para por aí. A mídia não está sozinha. Já ganhou a maioria dos alunos. E dos pais, então, nem se fala. Aluno também tem seu pensar sobre a figura do seu “mestre”. Li um dia desses um texto de autor desconhecido que dizia que a imagem do professor é difícil de ser feita, pois ele não pode viver de extremos, ou seja, se é engraçado é debochado e se é sério é um carrasco. E por aí vai. Realmente. Mas no momento em que as coisas acontecem na escola, aluno joga o tempo todo com isso. Como o interesse pelo aprofundamento no conhecimento é escasso, o aluno carimba o professor. Sabe como? Ele induz o seu “mestre” pela artimanha do interesse ou do desinteresse. Caso se mostre interessado, exige um pouco mais de seriedade, quando não, relaxa e induz o professor a ser engraçado e divertido.  É nessa última parte que o “mestre” cai na armadilha. Jogar nas regras do aluno é cair um pouco nas artimanhas do sistema midiático que também finge que não sabe o que quer extrair desse profissional. O aluno não quer absorver a docência e a mídia quer coibir o papel de consciência sócio-política, o que abalaria o sistema convencional se a sociedade acreditasse nos professores e não nas novelas. Pensando assim, o aluno perde o mestre, ganha tempo e empurra o sistema com a barriga.
Cercado de tantos estereótipos, o professor tornou-se uma figura quase sem função social nenhuma. O próprio descrédito dos alunos é um reflexo do que pensa a sociedade. O professor tem mais culpa que qualquer outro segmento da educação. Se ele dobra a testa, denúncia dele. Professor não pode errar. Esse é o sonho de milhões que gostariam de zombar dessa figura. Quantos não gostariam de encontrar só os defeitos de um “mestre”. Quando se denuncia um professor, o ego do denunciante estufa, seu queixo se eleva e sua voz ganha potência. Dá orgulho falar mal de professor. Até mesmo quando um fala do outro.
Professor é alguém que só ganha alguma mísera relevância quando está na sala de aula. Fora dali, não tem sublimação, é o cara sem progresso social, sem camada, sem casta, é alguém encolhido nos cantos.
Mas a figura desse “mestre” maltratado pela mídia, ignorado pelos pais dos seus “discípulos”, odiado por muitos alunos e massacrado pela sociedade capitalista ignorante, pode mudar, pode quebrar barreiras e se erguer como fênix.
Pode e deve ser sublime, ser respeitada, ser amada, ser agraciada pelo reconhecimento do dom natural do magistério.
Pode ser reconhecida pelo valor que se deve dar a quem dissemina dúvidas e problemas, questões e desafios, pois professor não ensina, não transmite conhecimento.
E esse dia está dentro de cada um de nós e, se somarmos esses dias e os juntarmos todos, teremos um grande tempo quando veremos, de fato, o magistério ser lido e tratado como a arte do despertar e do prazer e do orgulho ímpar de se dizer estufando o peito: muito prazer, eu sou professor!
Eu sou professor!
(Mirinaldo)

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