O QUE VOCÊ APRENDE
HOJE
Hoje,
nestes tempos de transformações, você aprende que essas transformações deixam
você do avesso, que seus sentimentos não são mais doces como antes e que também
antes você os sentia amargos e que, por conta disso, você se sente amargo ainda
hoje, porque os sentimentos sempre foram provados aos poucos e você era o ser
amargo consigo mesmo dessa história toda. Hoje você aprende que não precisa
mais tocar em ninguém e que ninguém dá a mínima para isso. Você aprende que
redes sociais são o suficiente para você fingir ser alguém que nunca vai ser e
que SER hoje é uma questão apenas de orgulho. Você aprende que orgulho é fruto
de uma imagem pré-concebida, não por você, mas pelos que manipulam você para
que você seja assim. E sendo assim, você aprende que o que você busca é o imediatismo
e que esse imediatismo fez de você um ser efêmero e medroso, temendo sumir nos
flashes do mundo.
Você
aprende que o mundo é pequeno e que isso não responde às perguntas existenciais
e que, portanto, você sabe apenas que existe.
E
só.
Você
aprende que só existir é banal e que você precisa realizar algo fabuloso, diferente.
E você descobre que tudo o que faz é pouco notório, mas muito mais passageiro do
que o momento em que você criou o que pensou ser surpreendente. Você aprende,
então, que nada mais o surpreende, pois você também não se surpreende com nada.
Nem com ninguém.
Você
aprende que as comidas dos ricos e as dos pobres são iguais, mudam apenas a
quantidade e o estilo. Você aprende que tem que ser magro, pois os gordos não
fazem as mais caras propagandas e que seu filho tem que ter um bonito cabelo, pois
o seu cabelo já é igual ao de alguém.
Você
aprende que em todos os setores do Brasil há erros grosseiros de gramática e
que isso, para você, é normal. Daí que “portugues” não precisa ter acento. Você
aprende que os que mais estudaram não “pegaram” as melhores meninas da escola,
não ficaram ricos e andam de bicicleta ou a pé e que seus professores são um
exemplo de como você não quer ser, pois estes mesmos professores foram os que
influenciaram seus amigos inteligentes e pobres.
Você
aprende que se tivesse sonhado menos e feito mais loucuras, você seria mais
feliz e realizado e, com isso, teria mais vantagens para contar aos seus netos.
Você aprende que netos são o sinal de que você está velho e que estar velho já sinaliza
que você vai logo parar a sua sumária existência. Você aprende que família é
algo relativo e que pode ser até a sua vizinha uma grande mãe e que até pode dizer
que seu amigo de escola é seu irmão, tanto faz o conceito. Você não tem
conceito mesmo.
Conceito
para você é o mesmo que decoreba. E que decoreba é fácil e que o ajudará a
fugir da escola o quanto antes. Você aprende que educação não o leva a subir na
vida, pois subir na vida envolve mais atitude que conhecimento. Então você
escolhe o caminho mais fácil para a sua subida, sem se preocupar nunca em
descer. Se você desce, então você aprende que ter sido inteligente teria
ajudado muito.
Você
aprende que é com “jeitinho” que se resolvem as coisas e que os ditos honestos
são os que vão ficar no último lugar.
Você
aprende que amor é uma besteira e que casamento é tudo igual, por isso você não
se anima muito, pois você quer fazer algo diferente. Você aprende, então, que
não vale a pena casar, pois você nunca vai saber se amou de verdade ou se foi
amado ou traído. Entre trair e amar, você aprende que é mais provável a traição
que o amor. Você aprende que traição não deixa dúvidas e que amor nunca se
explica. Então, sobra o risco. Então é tudo medo.
E
você casa. Então você aprende que seu trabalho e seu casamento são iguais e que
você passou a vida toda tentando salvar o segundo usando o primeiro. E descobre,
enfim, que o trabalho foi sua primeira rotina, enquanto o casamento estende
essa rotina à sua casa. A diferença é espacial.
Você
aprende que a sociedade não gosta de você, porque a mídia nos tornou iguais e
ela o tornou suspeito também. Você aprende que ser suspeito é simples e que ser
condenado é uma forma de sustento pelo governo e que as leis do seu país
são hilárias o
suficiente para dar a você a escolha
entre a escola sem sucesso e de péssima merenda e a prisão, amiga do crime. Então
você aprende que essa escolha não depende muito de você e que seus amigos vão
conduzi-lo sutilmente à escolha da cadeia, provando que você é tribal e forte.
Você
aprende que lei é uma pedra no caminho e que enquanto a burocracia e os
trâmites rastejam lentamente, você pode arrumar meios de rolar essa pedra com
um sopro ou com a ponta do dedo.
Você
aprende que miséria é uma questão midiática e que corpos estraçalhados sendo
fotografados não comovem mais e que se não é com você, isso não quer dizer
nada.
Você
aprende que ter culpa é uma questão de fraqueza e que o perdão não compensa, pois
você não vê erros em si mesmo e, se precisar pedir desculpas a alguém, a
responsabilidade final é desse alguém. Você já se conformou em pedir desculpas
e que já pode virar as costas e postar isso no Facebook.
Você
aprende que não faz diferença achar vida em Marte, a cura da AIDS, promover o
desarmamento das potências mundiais, aumentar a construção de escolas, decretar
o fim da fome, ofertar os perdões das dívidas entre as nações, conhecer a cor
do papa, saber o inglês como língua mundial, o aquecimento global ser
controlado, as calotas polares pararem de derreter, os desastres ambientais
cessarem, o fim das queimadas irresponsáveis, a condenação severa e justa dos
caras lá de cima, o fim do aborto, o fim da pobreza e da miséria, as eleições
limpas de fato, novos políticos no poder, a paz no Oriente Médio, o abraço
entre as Coreias, o homem conquistando a Lua, o que há nos buracos negros, o fim
do preconceito, enfim, ver melhorados todos os temas que você abordou tanto nas
redações escolares.
Nada
disso vai ter importância para você. Afinal, você aprende que deve se sentir só
no mundo e que a sua ilusão é sua responsabilidade. Mas o culpado é o Estado.
Você
aprende que política é feita como forma de ascensão social dos vencedores e que
os fracos vão sempre se submeter a ver a vitória dos mesmos rostos que não dizem
nada. Por isso você aprende que votar é um ato mecânico, já que a mente e o
espírito adormecem nas reflexões e morrem no colo da miséria.
Você
aprende que os políticos se veem como deuses, como imortais e você descobre que
eles são assim porque muitos os elegeram dessa forma, e o pior de tudo, um
deles é você. Mas você aprende outra coisa: que depois de um mandato vem outro.
E torna a aprender que o problema da política não é a política, nem os
políticos; você, sem querer aprender, aprende que o problema é seu mesmo. Mas,
enfim, vem o último aprendizado dessa sequência: você aprende que é melhor
deixar assim.
E
não mudando o mundo, você aprende que tem que culpar os políticos, pois você já
fez a sua parte e não entende por que nada muda. Então você aprende que deve
“punir” os políticos fazendo-os ir até a sua porta pedir seu voto e você
dramatiza um charme de dificuldade e depois estufa o peito dizendo: “Agora eu
já decidi”.
Você
aprende que a religião é fraca, que o poder dela é apenas político e que,
portanto, não há necessidade de seguir religião nenhuma. Você aprende que viver
sem religião é muito melhor, pois você crê que agora Deus está perto de você e
que agora, sim, é mais fácil fazer as escolhas. Daí você aprende que você tem
que fazer um deus do seu próprio modo e que a contestação a ele é refutada por você
com as explicações constitucionais de direito de expressão religiosa. Enfim,
você não quer aprender, mas aprende que seu deus inventado é constitucional.
Você
aprende que as religiões sensacionalistas se apoiam na ciência para explicar um
cego que passou a ver, um coxo que passou a andar e que a fé consiste em você
ir àquela igreja e se dizer membro dela, não sendo necessário provar nada,
porque os líderes do sensacionalismo nunca provaram fé nenhuma, porque eles
nunca souberam o que é fé e que fé se prova de dentro para fora e, como não é
assim, eles nunca saberiam o que fazer para provar que alguém está salvo. Então
você aprende que a excitação e a euforia são suficientes para animar um público
e, depois, deixá-lo solto a sofrer pelo mundo mais do que antes.
Você
aprende que meio ambiente é uma rua que recebe o lixo que você produziu e que
dela tudo é recolhido. Pronto, você já se sente cidadão do mundo.
Você
aprende que ajudar os outros é uma forma de você se promover e que, portanto,
só vale a pena ajudar se ficar bem claro quem fez isso: você. Pois mais do que
o sentido, o que vale para você é a forma como você aparece e não o que muda na
vida de quem é ajudado.
Você
descobre que sabe tantas coisas, mas no final de tudo você se enganou e passou
a ter a mesma certeza da Filosofia e que ela mais uma vez acertou algo sobre
você enquanto você pensava que poderia conquistar o mundo e manipular as
pessoas. Daí você aprende que fracasso e sucesso coexistem num limite tênue e
preocupante. Então você aprende de novo: eu sou mais fracasso.
Enfim,
quando tudo enfim e ao fim de tudo que, na verdade, começa outro fim, você aprende
que a mortalidade é a única certeza que você tem e que a morte não tem tantos
mistérios assim, pois afinal, o que não se explica já é por si só uma
explicação. E daí vem a maior de todas as lições da sua vida: você aprende que
perdeu muito tempo lendo este texto, pois lá fora a sua vida foi deixada de
lado para que seus olhos se reduzissem a atentos elementos que, como você por
inteiro, continuam a entrar no ciclo da eterna busca na efêmera existência.
Então você não viu a vida. O que mais você quer aprender?