Por Mirinaldo
O Brasil vive a onda do NEGACIONISMO. Há queimadas na Amazônia e no Pantanal, mas elas não existem. Não há corrupção. As mulheres não são vítimas de violência nem de feminicídio, as que são assassinadas é porque procuraram a morte desafiando os homens que são mais fortes fisicamente. Os presos estão na cadeia porque escolheram o caminho do crime, ou seja, eles adoram estar nos presídios. As meninas engravidam porque querem ou porque usam roupas curtas. Os índios não deveriam ter terras, muito menos demarcadas, terras são para fazendeiros e grileiros. A covid-19 é só uma gripezinha. O problema do Brasil são os treze anos do PT, não os 503 anos da direita. E segue a manada. Mas a última foi a do racismo. Não existe racismo no Brasil, isso é coisa da esquerda querendo o poder. Não vou me ater sobre o que é esquerda, é uma aula longa, pode ficar para a próxima. Mas, por que se diz que o racismo é uma invenção da esquerda? Por dois motivos: o primeiro tem a ver com a falta de conhecimento de quem fala, ou seja, andam dizendo por aí, então vou replicar. É tipo eu perguntar qual foi o crime do Lula ou quanto ele roubou. Ninguém sabe, mas estão dizendo por aí, é onda, então vamos surfar. Isso ainda ocorre por conta do embalo da “não análise”, ou melhor, pensar requer esforço e politização, por isso muitos não se dão ao trabalho. Os que são considerados bons agora são os que reproduzem discursos de ódio sem interpretação, não é à toa que existem os robôs das fake News, aqueles que projetaram a imagem positiva de Bolsonaro nas eleições passadas. Você não está pensando que ele ganhou sem “mexer um dedinho”, está? Que bobinho! Ah, você entendeu a expressão “mexer um dedinho”, não entendeu? Voltando. O segundo motivo diz respeito a quem luta contra o racismo, não com quem o camufla. A direita tem mantido políticas que ludibriam o povo a pensar que somos uma miscigenação em plena harmonia. O que é falso, assim como a tolerância religiosa é outra mentalidade forjada. E essa ideia é vendida nas escolas, nas igrejas e no campo político da direita. O embate vem da esquerda. Por isso, os seguidores do bolsonarismo deflagram ataques e multiplicações de robôs para tratar o tema como uma tese criada e não como um assunto de cunho social, cultural e ideológico, ou seja, sócio-histórico. Alguns bolsonaristas trazem argumentos que tendem a levar a questão para o campo da violência social, aquela que sempre pôde esconder o tema racismo quando ele sempre foi abafado pelas elites políticas brancas: a direita. Por exemplo, há quem se identifique como negro e que não se vê vítima de racismo. Aí está um sério problema. Você se lembra da campanha sobre a violência contra a mulher? Pois é, lá estavam os argumentos que as vítimas costumam usar para não sofrerem retaliação: cair da escada, bater a cabeça no tanque, escorregar no tapete etc. Mesmo quem se diz imune ao racismo pode estar sob forte ataque dele, pois é a violência que pode ser considerada a mais sutil de todas, por ser praticada de maneira simbólica (segundo Pierre Bordiau), sem execução sumária ou agressão física. São desculpas e rodeios que podem ser dados para justificar uma negativa a quem é negro. Nem sempre se deve esperar um soco ou um Hadaka Jime. Nesse caso, o próprio negro pode nunca ter sabido se foi violentado ou não. Então, por que alguns se dizem negros e negam qualquer violência por conta disso? Porque estão procurando adequar seus discursos ao alinhamento político do momento: negacionismo. Nesse caso, tanto mulheres vítimas de violência quanto negros negacionistas têm em comum a prática de negar, porém, elas o fazem como defesa e eles, como promoção da ideia política em voga, portanto, o negacionismo delas é estrutural, enquanto o deles é circunstancial. Vejam as atrocidades defecadas pela boca do presidente da Fundação Palmares (que é negro). Nada melhor que colocar um negro para atacar os próprios negros e desmontar todas as políticas antirracistas, assim como é estratégico colocar um ministro do Meio Ambiente que permite o desmonte das políticas contra crimes ambientais. Não se trata só de negar, mas de atacar as classes desfavorecidas enquanto há um embate ideológico no campo midiático. E a boiada vai passando. Outros ainda colocam situações envolvendo a prática de violência de negros contra brancos, como forma também de não institucionalizar o racismo. Mas é outro equívoco. Como? Em primeiro lugar, a violência é um assunto, não um tema. Então estamos tratando de uma concepção generalizante, mas que se desdobra em seus temas: violência infantil, doméstica, contra a mulher, intolerância religiosa, racismo etc. Negros são seres humanos sujeitos ao seu meio e à sua história. Ponto. Também cometem crimes, sentem ganância e estão submetidos às mesmas influências dos fatores sociais. Nesse caso, por que considerar o racismo em específico? Trata-se da comparação da violência que os negros sofrem em relação às outras violências. Então poderíamos dizer que os negros são melhores que as mulheres e as crianças? Não. Trata-se de analisar quem sofre todas as violências supracitadas (mais as outras) em relação aos outros grupos. Resultado: os negros. Ou seja, numericamente são eles os desfavorecidos em todas as áreas (segurança, educação, saúde, emprego, saneamento, direitos trabalhistas, salários etc.). Nesse caso, podemos dizer, sim, com absoluta certeza, que todos sofrem as mesmas violências que os negros, mas não na mesma proporção. É certo que o ideal é eliminar toda violência, mas quando considerar uma violência como racismo? Só o ato em si não basta, e é aí que os argumentos do “fascisbolsonarismo” estão viciados de erros. Eles só consideram a cena. Mas a cena de violência pode ser igual a de um branco sofrendo espancamento por negros ou por outros brancos, ou de negros agredindo outros negros. São fatores além do que vimos que nos permitem ver a manifestação do racismo. São as repetições frequentes de atos violentos contra os negros, são as situações histórico-sociais de suas vivências em sociedades desfavorecidas, são os estereótipos que lhes são atribuídos pelos brancos e pelas religiões da direita, são as ações políticas que se desviam das comunidades negras, são os resquícios da visão de superioridade da raça branca que ficaram do período escravista, são as atribuições de humanidade aos brancos como cristãos e aos negros como anticristãos, é a violência gratuita praticada contra os negros, são as práticas de segregação nos mais variados ambientes possíveis, são os números de negros fora das escolas e das universidades, são os presídios lotados de negros em desproporção aos brancos, são as baixas habilidades e capacidades de analisar fatores impulsionantes por razões do fracasso escolar da nossa sociedade pouco letrada, são fatores culturais arraigados na sociedade etnocêntrica branca, é o desconhecimento dos processos de colonização do Brasil, é a visão idealizada e estereotipada de qual seria a classe dominante (em que não se inclui o negro), é a concepção de que os negros devem ocupar cargos desprestigiados (já que só se imagina que eles vieram da escravidão), é a concepção rija de que a raça determina o homem (daí escolheu-se a negra como a inferior e marcar os que descendem na escala social), é a visão do cristianismo capitalista que maquiou Jesus como um ser branco (levando a crer que ele pertence ao continente europeu e que está aqui representado pela elite branca), etc., etc. e etc. O “fascisbolsonarismo” só leva o seu rebanho a “pensar” em questões taxativas: é só mais um ato violento. Não, sem análise, sem escola, sem princípios do verdadeiro cristianismo é isso, mas é o contrário que nos permite entender e compreender o problema sob a ótica da sua real natureza e não dos pontos de vista copiados dos outros. Há que se lutar, sim, todos os dias, contra qualquer forma de truculência, pois aqui não se está buscando eliminar o racismo ou que ele se equipare às estatísticas das outras violências para fazer a sociedade parecer justa e igualitária. Se existirá um momento em que se poderá confirmar que a violência tal deixou de existir, não importa se o racismo seja a última da lista, mas importa que ele existe, está aqui, branco ou preto, azul ou amarelo. O que se possa ver fora desse âmbito, é demência. E, para eliminar a demência sob essa visão estrábica, nada melhor que eliminar o poder do demente. Pois a demência é a pior forma de racismo. E ainda vai buscar legitimar a morte dos negros até que o “fascisbolsonarismo” despenque e se restaure a ordem democrática legítima e soberana. Afinal, de alguma forma, todas as ações e discursos do mal foram personificados num ser. Derrube esse ser e o discurso do ódio será desinstitucionalizado.
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