sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Um Deus é por nós



Por Mirinaldo

Dizem que Deus escolheu certos presidentes para representá-lo no poder. Sim, é verdade, há um Deus (também com D maiúsculo) que existe e desejou que assim fosse e cuida dessas coisas. Trata-se do Deus Moderno. É um Deus inventado a partir da incapacidade dos homens de seguirem o Deus Divino. O pecado se tornou mais forte e dominou toda a Terra. Quem conseguiria sofrer em nome do Evangelho do Deus Divino? Quem deixaria tudo deste mundo, socializaria seus lucros, viveria na humildade para segui-lo e aguardá-lo até o momento final? Ninguém! O homem escolheu ser feliz aqui e agora. Já! E vive a sorrir por seguir o seu Deus Moderno. Garante que já está na glória dele. E está. Há também um reino que foi atribuído a esse Deus: a própria Terra. Cansado de não visualizar paraíso algum, o ser humano criou a felicidade terrena sobre os bens da natureza e da exploração de uns sobre os outros. E naturalizou a riqueza como sinal de vida plena neste reino. Trocou-se a vida eterna pela vida da morte. Por isso, enquanto se vive, procura-se alcançar toda a felicidade que este mundo pode dar. Dessa maneira, o pecado também mudou. Passou-se a se pecar quando não se está conquistando nada. Se você não tem ambições e não explorou ninguém, então é você quem está pecando. E as respostas do Deus Moderno são rápidas: o sinal de que alguém está sendo agraciado por ele é a prosperidade. De um carrinho de mão a um 4x4: eis o selo da confirmação da bênção. E se vive a atmosfera do reino feliz e pleno. E quanto ao Evangelho? Os seguidores do Deus Moderno leem o mesmo Evangelho do Deus Divino, pois já está pronto, já que a corrida pelo lucro não deu tempo para criar outra escritura. Mas mudou totalmente a interpretação. A palavra passou a ser compreendida de acordo com a linha dos fatos sociais, políticos e econômicos (principalmente econômicos) e do quanto os homens lucram nessa trajetória. Ou seja, conforme os planos terrenos. Por exemplo, quando se diz “Deus acima de todos”, trata-se do Deus Moderno, pois o Deus divino colocou-se AO LADO dos homens quando seu filho foi entregue à morte. O Deus Divino tem apenas mais poder que os homens, mas promete dividir todo o seu paraíso com os que conseguirem viver sob suas difíceis leis aqui na Terra, aquelas leis que a humanidade não conseguiu seguir uma vírgula sequer e, por isso, criou o Deus Moderno, pois cansou de esperar Moisés voltar do monte. “Deus acima de todos” é frase de poder político, e se pertence à política, pertence ao Deus Moderno. O Deus Divino não se comprometeu com a política dos homens desde o Evangelho de Cristo. Os planos do Deus Divino passam pela Terra, nunca ficam nela, tanto é que ela será destruída em prol de uma nova forma de vida: a eterna (e não a terrena). Os planos do Deus Moderno são todos aqui. Por isso a imagem desse Deus é facilmente projetada nos homens. Nesse caso, os que representam o Deus Moderno conferem aos presidentes a bênção e a predestinação. Mas isso não está errado, está na lógica dos que procuram manter o mundo como ele está, pois é dessa maneira que se têm gerado todos os grandes lucros dos grandes representantes do Deus Moderno. Quando se nega que a natureza está sendo destruída, que não há fome, ou que os problemas sociais estão desaparecendo é exatamente o que prega o Deus Moderno, pois ele precisa provar que seu reino está dando certo. Se, para garantir que se pense assim, for necessário que se persigam as pessoas contrárias, isso deve ser feito, pois o Deus Moderno não acredita que elas sofram qualquer dor. Para ele, não há tortura, há correção. Tanto é que era esse mesmo Deus que estava reinando na escravidão e não impediu o chicote sobre a raça negra, a raça que ele não privilegia. Também era ele que via o abrir e fechar dos fornos nos campos de concentração nazista para cremar os corpos dos judeus ou quando apertavam o gatilho assim que as armas estavam apontadas para as cabeças de homens, mulheres e crianças judaicas. Ele estava lá. E nada fez. Os homens agiram e agem em nome do Deus Moderno alegando seguirem princípios de justiça e força. Por isso a dor é apenas um processo normal. Também há uma fé que se manifesta na crença ao Deus Moderno. Trata-se de celebrar o seu nome acima de todos e de todas as coisas, sem dar qualquer olhar horizontal ao mundo. Se as pessoas ao redor sofrem, a razão e as causas estão nelas mesmas. Se elas não estão com o Deus Moderno, então está aí o motivo de sofrerem. Sabe-se que, para seguir o Deus Divino, deve-se seguir um caminho que se abre por uma porta estreita, que se devem abandonar todos os vícios, luxos e riquezas. Deve-se amar profundamente o seu inimigo e perdoá-lo setenta vezes sete. Isso é dor. Isso emprega sofrimento. É um abandonar-se a si mesmo. Seguir ao Deus Moderno se dá por outra forma de fé: a prosperidade. Ou estar ao lado dos que prosperam nos bens terrenos. Feito isso, se você se aproximou dos que receberam o desígnio do Deus Moderno e vivem prósperos ou se você é próspero, então está aí a sua fé. Diante do Deus Moderno se pode afirmar que se é salvo, porque se vive feliz. Já diante do Deus Divino, só ele pode dar tal garantia. Isso deixa o homem inseguro, sem respostas ao que ele faz. Já o Deus Moderno recompensa todos os atos imediatamente. Um exemplo: caso se dê uma oferta ou dízimo ao Deus Moderno, ele se compromete a multiplicar o valor depositado. Para o Deus Divino, a oferta e o dízimo são partilha que realizam a integração entre a graça divina e a realização mínima do materialismo (a pobreza compartilhada). Ou seja, o Deus Divino não oferece troco nem rendimento algum aqui na Terra. E tal oferta ou dízimo são apenas parte da prática da fé. O Deus Moderno adora ser adorado. A imagem dele só se volta para si. Já a imagem do Deus Divino é múltipla, pode ser contemplada na dor do próximo, justamente o que representa o fracasso do materialismo, o que não soube explorar ninguém, por isso deve ter a dor como correção e justiça. Pobreza é sinal de pecado para o Deus Moderno, pois ele entende a Terra como razão para prosperar e não para conviver e fraternidade. Aliás, fraternidade para o Deus Moderno é submissão a uma lei de garantia da ordem. Ou seja, é quando há obediência e prática de valores conservadores que criam a crença de felicidade em grupo. E quem garantirá isso serão os líderes políticos sobre os líderes religiosos que seguem o Deus Moderno. Os líderes religiosos atendem imediatamente aos políticos, pois absorvem parte do poder e não precisam dar satisfação ao Deus Moderno, pois, se estão cuidando bem das coisas terrenas, então a fé já está contemplada. Quanto a Jesus Cristo, o filho do Deus Divino, é tratado apenas como um herói romântico. O Deus Moderno não tem filho algum. Ele tem os seus criadores: os homens terrenos. Quando se projeta a imagem de Jesus como uma figura romântica, passa-se a tê-lo como distante da Terra, por isso só aparece nas celebrações dos seguidores do Deus Moderno para ser adorado e glorificado pelo que fez. Quanto ao que ele ensinou, a coisa mudou também. Jesus Cristo sendo concebido como aquele que fez não teria condições de permitir que os homens pensassem sobre o que deve ser feito na Terra para a peregrinação até o juízo final. Se assim fosse entendido, os planos do Deus Moderno cairiam por terra. Ou seja, a vivência real do Evangelho do Deus Divino poria todos os homens em total depressão ante o materialismo do mundo. Então, por conta disso, se pergunta: Por que ainda se fala de Jesus? Simples, porque ele foi a única materialização de uma ideia divina, algo tão sublime aos homens. Nesse caso, a imagem concreta de algo tão abstrato. Jesus é usado pelos seguidores do Deus Moderno para alimentar ideias espirituais e ritualísticas, nunca, jamais, de maneira alguma para se pregar o Evangelho do Deus Divino. Daí que não se pode conceber a imagem de Jesus fora da forma de uma pintura de um homem despolitizado e frio que agora está no céu e já fez a sua parte. E que só aparece aqui na Terra quando invocado em templos, o lugar dado a ele pelo Deus Moderno. Cristo está petrificado. Tal imagem deve ser a internalizada nos homens para que percebam que não se deve se mover para mudar o mundo, pois Jesus já fez isso por nós e agora está sacralizado nos altares junto às madeiras e aos mármores. Em bom português: matou-se Jesus pela segunda vez. E segue-se a política ditada pelo novo Deus. O homem passou para a zona de conforto e, mesmo convivendo com os problemas do mundo, entende que são as superações das dificuldades que trazem recompensa religiosa. E superação significa vencer os inimigos. E quem são eles? Os próprios humanos. Há uma canção religiosa que diz que os que zombaram de você verão você no palco enquanto eles ficam na plateia. Sabe o que é isso? Doutrinação do Deus Moderno, a que consiste em afirmar que se está junto a esse Deus quando se prospera financeiramente. Quanto ao Diabo, é visto como inimigo, mas com atitudes humanas. Ele é citado quando se quer atacar indiretamente alguém ou quando se quer transferir para ele a maldade que algum seguidor político do Deus Moderno cometeu. Os seguidores do Deus Moderno não falham, são perseguidos. Por isso cantam vitórias quando superam alguém. E segue a luta para se propagar cada vez mais o Deus Moderno. E já está nos quatro cantos da Terra. Tornou alguns homens milionários e outros mil vezes mais pobres. Estes últimos seguem sendo vistos como sem bênção alguma do Deus Moderno, a mercê do sofrimento mundano por terem aceitado esperar as graças do Deus Divino e zombados por não saberem ou não quererem trocar essas graças de um Deus por outro. É custoso a eles tal prodígio, mas são os que ainda garantem o mundo por inteiro, pois, por mais que o Deus Moderno tenha avançado pela Terra e pela história, ele não tem qualquer poder sobre o que ele não fez: a existência. Ele é produto do homem e não o contrário. Portanto, não pode impedir nem permitir que o mundo continue. Ele não salvará nem os seus, pois é uma ideia. A palavra final estará com o Deus Divino, pois ele iniciou o processo que os homens pensam que conseguiram mudar. É tudo uma questão da chegada do momento certo. E não nos esqueçamos: um desses Deuses é por nós.

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