quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Entre praças, saúde e educação




(Texto semifinalista da aluna BÁRBARA CRISTINA, Escola Padre Eurico, Vitória do Xingu, PA, Olimpíada de Língua Portuguesa 2014, gênero artigo de opinião)

Desde a antiguidade, a priorização do lazer é comum. Os romanos, para entreter seu povo e fazê-lo se esquecer dos problemas sociais, adotaram a política do “Pão e Circo”, que consistia na distribuição de alimentos e diversão à plebe. Essa prática, infelizmente, se estende até os dias atuais e, no município onde eu moro, ela não é diferente.
Vitória do Xingu, intitulada pelo governo atual como a “Cidade da Energia”, por sediar a 3ª maior hidrelétrica do mundo – Belo Monte, vem, nos últimos anos, realizando, com muita frequência, a revitalização e inauguração de bens públicos, como forma de aplicar os recursos das condicionantes recebidos da Norte Energia (empresa construtora da barragem) como forma de mitigação pelos impactos causados pela obra. Um desses patrimônios, por ser em maior número e grande visibilidade, tem causado polêmica entre os moradores - as praças; levando a um grande questionamento: E as outras políticas públicas, como saúde e educação, por exemplo, como ficam?  Lazer é importante, mas não pode estar acima dessas duas bases. O que me parece estar ocorrendo aqui é um retrato moderno da política secular do “Pão e Circo”, mais especificamente do circo. Que pena!
Reconheço que seja até legal em uma tarde bonita ir para as praças, conversar com os amigos, namorar (Quem nunca?) ter diversas opções de entretenimento. Essas opções de lazer são exaltadas pela maioria dos moradores que apoiam o projeto do governo, considerando-o “bom” para o povo. Mas se for parar para pensar não é bem por aí. E quando o povo estiver doente, entre a vida e a morte, a praça vai curá-lo? E na falta de remédios, a praça irá lhe proporcionar? Vai lhe ensinar regras de ortografia? Provavelmente não.

É claro que nos últimos tempos a saúde e a educação tiveram um avanço, mas não me parece algo visto como “tão prioritário”, assim como as praças vêm recebendo tamanha prioridade por aqui. Para se ter uma ideia, em todas essas áreas de lazer há redes wifi abertas com acesso à internet e isso, lamentavelmente, não se tem nas nossas escolas e em outros órgãos públicos municipais. Curioso também é que na sede do município temos apenas quatro escolas para um número significativo de seis praças, e ainda há outras em projeto. É, lazer parece não ser problema para nós.
Os governos tendem ao erro e/ou esperteza de priorizar o lazer. Um exemplo vergonhoso disso é a grande polêmica levantada contra o governo da Presidenta Dilma Rousseff por ter gasto milhões com a Copa do Mundo de 2014 e deixando de lado a Saúde e a Educação, confirmando mais uma vez a prática da valorização do lazer. Mas a maioria das pessoas gosta, tanto é que lotaram os estádios de futebol e acabaram deixando em segundo plano a luta por outras políticas públicas como saúde, educação e segurança. Aliás, isso não é surpreendente, já que essa política também se estende ao povo, sendo muito comum nas famílias, quando estas deixam de comprar um livro, pagar um curso, para realizar passeios, ir às festas ou, ainda, comprar uma roupa de marca quando, às vezes, mal dá conta de pagar. Essas atitudes, tanto do povo quanto dos governantes são, a meu ver, a razão para a miséria política e intelectual da nação brasileira e, consequentemente, da população vitoriense.
Assim, penso que seja necessário equilibrar os recursos destinados às políticas públicas e que se deva dar prioridade à saúde e à educação, bases para o bom desenvolvimento de uma sociedade, visto que é principalmente por meio desses pilares que, de fato, nós, enquanto povo, vamos criar o conhecimento necessário para chegar ao tão sonhado progresso que a construção da hidrelétrica traria. Portanto, tenha dó! Precisamos mudar urgentemente essa histórica de prioridade ao lazer. Entendam uma coisa, nossa prioridade por aqui é outra. Mais saúde e educação, menos praças, por favor!

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O PODER DA PALAVRA PROFESSOR



Muitos dizem que professor é a profissão das profissões. Ou que o professor é um exemplo, alguém em quem devemos nos inspirar, até copiar certas coisas dele. Ou muitos dizem que professor é aquele que exerce muitas funções, até a de pai. Também declaram que ser professor é exercer uma profissão digna, honrada e humana. Há os que falam que o professor é alguém dotado de compreensão, porque é possuidor de alto grau de paciência. Poucos afirmam que o professor deveria ser o mais bem pago, pois todos os trabalhadores aprendem a trabalhar com ele. É, professor é tanta coisa, gera tantas ideias, mas quem quer ser um?
Professor seria uma palavra maldita? Seria um sinônimo de fracasso? Seria uma palavra que se remete a alguém tão distante do mundo que ele ajuda a criar e a pensar?
Mas aí vem a grande afirmação, a grande decepção sobre a palavra mágica. Professor não é nada além de uma semente de mostarda. É uma fé pequena. É uma montanha que não se move com ordem alguma. Professor é uma desconstrução do mundo. É um vaso velho que cai e se quebra. É uma canoa furada.
Calma! Calma! Muita calma.
Como professor é aquele que faz pensar, refletir. Então professor também explica. Ao menos explica.
Professor é uma semente de mostarda, e como tal, não precisa ser grande, mas sim profunda. E se faz grande porque só se transforma em grande aquilo que já foi pequeno. É daí que a palavra professor cresce. Se fosse grande, pequena ficaria. E como semente, é símbolo da frutificação, da multiplicação, da reprodução.
Professor é uma fé pequena. Sim, bem pequena. Porque ele não pode estar acima do bem e do mal, nem subjugar as crenças e a fé de ninguém. Ele não pode ser altivo. Ele precisa, sim, provocar a fé dos outros, para que eles cresçam, engrandeçam a sua própria fé. É daí que a fé pequena do professor se torna majestosa e rica.
Professor é também uma montanha que não se move com ordem alguma. Porque o tamanho do seu saber se torna grande não por impulso ou forças exteriores, mas por motivação e sensibilidade na troca de saber. Ele é a montanha em que os que precisam subir para ver o mundo melhor podem fazê-lo, desde que saibam lá em cima ficar, pois os que se corrompem ao longo do caminho e se impõem sobre os outros também podem descer pelos próprios tropeços. Professor é a montanha para os que querem subir, mas também dá sombra aos que ficam embaixo.
Professor é uma desconstrução do mundo. Porque o mundo, para emendar-se e transformar-se em algo melhor, precisa dividir-se em partes menores e emendá-las novamente para oferecer os benefícios da construção de um planeta mais justo.
Professor é um vaso que cai e se quebra. Mas biblicamente renasce como um vaso de inovação e restaura as formas da vida.
E, sim, professor é uma canoa furada. Porque quem quiser atravessar o rio terá de aprender com ele a como emendar a si mesmo, a se adaptar às águas terrenas e a atravessar todos os cursos da vida.
Viu? Professor não tem magia. Não usa varinha de condão. Professor é um poder que não se mede nos momentos bons, nos sucessos da vida, nos ápices das conquistas. É um poder que é fragilizado pela visão frágil dos frágeis. Nenhum sistema reconhecerá tal poder, pelo contrário, tentarão anular cada som de sua expressão. Nenhum político abraçará esse poder, mas o perseguirá até a sua pretensa morte, decadência.
Mas nada poderá deter, abafar, destruir o poder implícito na palavra mais simples evocada nas paredes dos sistemas de ensino.
Não só por hoje, o seu dia, nem pelos anos de sua profissão, mas pela essência dessa vocação divina, a palavra professor merece ser cravada no status que o criador elaborou. E que ninguém jamais menospreze o verdadeiro poder dessa palavra: o sacerdócio da sabedoria.
Feliz Dia do Professor!

A guerra da elite brasileira com seu soldado Aécio usando o voto do povo



O que representam, para os empreendimentos políticos, os artistas e desportistas na campanha de Aécio?
Politicamente, nada. Na prática, eles são apenas um recurso midiático. Votar em Aécio por fanatismo a essas celebridades globais (da Globo) é sinônimo de alienação, uma vez que o compromisso delas é o de criar uma imagem de Aécio e não uma proposta política. Aliás, o voto direto em Aécio, ou seja, sem considerar os garotos-propaganda, já é alienação. Basta analisar o perfil econômico dos seus cabos eleitorais no primeiro e no segundo turno. Estão ligados às classes mais ricas, ou seja, são pessoas insatisfeitas com os avanços sociais, que não admitem equiparações da sua situação social com a ascensão da classe baixa. O que ocorre no país nos últimos anos é sinônimo de uma equidade de classes e as diferenças entre alguém da classe baixa e alguém da classe alta ficam atenuadas, quase imperceptíveis. Por exemplo, viajar de avião ou adquirir um telefone de última geração não está restrito à classe alta. Outro exemplo, o acesso às faculdades particulares e até estrangeiras também deixou de ser elitizado, assim como a maior frequência da classe pobre aos cinemas e atividades culturais também aumentou. Nos estacionamentos de supermercados e lojas, os carros ali parados não demonstram se lá estão mais ricos ou pobres. Então, por que a minoria resolveu inflar a maioria a votar em Aécio? Simples, o abismo social, histórico, institucionalizado e segregacionista diminuiu e põe em xeque o "status quo" da classe dominante que, depois de mais de quinhentos anos, teve seu ciclo interrompido pela ascensão da classe trabalhadora, com a eleição de Lula. Aécio não representa, como brada em seu discurso neoliberal, a classe pobre. O que a classe da rica minoria não esperava era uma rápida reviravolta na campanha de Marina Silva que levou, traindo a causa da sua antiga luta, Aécio ao segundo turno, chance agora vislumbrada pela elite que investe, através da sua emissora oficial, Globo, na propaganda ansiando a oportunidade de retornar ao poder e conseguir o resgate da marcação abismal e restabelecer a divisão de classes sociais. É essa parcela que Aécio representa. Mas por que ele omite isso? Mais simples ainda. O que elege, na prática, é a massa. Aécio se lança em nome dos pobres e de um Brasil esquecido que ele ainda não conseguiu identificar e mostrar, mas comete as falhas mostrando músicas e depoimentos de artistas e desportistas elitizados, ou seja, ele não consegue mapear um Brasil que tenha se retraído, daí vende a imagem vaga, turva de um governo fracassado. Mas lembre-se, Chitãozinho, Vanessa Camargo, Zezé di Camargo, Bernardino, Giovanni, por exemplo, não são parte de Brasil esquecido nenhum, muito menos fracassado, ainda mais quando o próprio Fantástico informou que a indústria da música sertaneja movimenta mais de trezentos milhões de reais.
Resumindo: com artistas descompromissados ou não, votar em Aécio é reconduzir o Brasil ao exato gosto da segregação entre as classes sociais, com uma importante observação: a massa faria isso de graça para a elite.

Mirinaldo

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O que há mesmo no discurso de Aécio?



Falso sentimentalismo; comoção barata; hipérboles; sinestesias artificiais demais; pregação de um ideário (mal) copiado da esquerda da década de 80, o que caracteriza falta de originalidade; euforia; mais voltado à forma que ao conteúdo; é um discurso falacioso que busca apenas os fins e não os meios, daí seu caráter vazio e obsoleto; tautologia e divagações.
A ideia central é a seguinte: não se precisa explicar, dar causas aos fatos, apenas levar a massa a formar uma imagem do agora, do período eleitoral, pois as demais coisas seriam consequência, ou seja, acredite no que eu falo, que depois eu provo.
O que não há no discurso de Aécio?
Componente social. Ele apenas se compromete em manter os atuais programas petistas, o que deixa mais dúvidas, pois o PSDB não tem bom histórico de ataque ou amenização da pobreza, mas sim de compromisso com a política econômica e com a autonomia aparente dos bancos e das multinacionais.
Combate à corrupção. Como é mais fácil jogar pedra no telhado alheio, Aécio só "condenou" os casos que vieram à tona por conta da autonomia da PF, mas em todos os governos, pelo menos por muitos anos, ainda haverá nomeados inescrupulosos em qualquer esfera de governo. Aécio vende uma falsa imagem ao somente "condenar" a corrupção, deixando o eleitor entender, por sua própria conta, que no governo dele a corrupção será zerada, o que não procede. Na verdade, ele deveria explicar o que faria quando ocorresse algum caso em seu governo, mas isso ele nunca vai falar, pois cairia em contradição. Só por esse fato, Aécio já demonstra conivência com a corrupção.
Reforma social e política. O PSDB não poderá realizar a tão esperada reforma política e, se o fizer, será uma máscara demagógica. Não fará a reforma social, pois isso feriria o ego econômico da classe dominante que patrocina a campanha tucana. O partido sabe que qualquer alteração histórica no cerne social causaria o conflito de interesses da burguesia e esta faria investimentos financeiros e midiáticos altíssimos (assim como a Globo está fazendo contra Dilma) a ponto de derrubar a reeleição do partido (aliás, derrubar a reeleição foi o acordo fajuta entre Marina e o tucano, o que ele nunca fará, pois isso colocaria em cheque a volta da maior arma petista, Lula, ou seja, Marina vendeu a alma ao diabo por tão pouco).
Enfim, com Aécio, temos o retorno de um político altamente demagogo e inconsequente. Um "neoCollor" somado a um "neoFHC", para ser mais exato.

Mirinaldo

terça-feira, 27 de maio de 2014

Festa de Maio ou festa em maio?




Mais uma festividade da padroeira termina e as polêmicas em torno das garrafas continuam. Acusações, ofensas e muitas baixarias saíram como flechas incendiárias em direção ao pároco de Vitória do Xingu. Argumentos levantados de um lado e centenas de falácias de outro criaram uma arena em que aparece um copo de cerveja e a imagem da padroeira local. Ninguém saiu em defesa da Igreja (embora, paradoxalmente, todos se digam católicos). Mas baixos calões e ofensas morais ficaram à baila. Renderam tanto quanto o lucro do “líquido do Capeta”, como diz um radialista da terra. O que foi tônico foi dizer que o padre está acabando com a tradição religiosa. Alguns se propuseram até a ensinar ao padre o que é evangelizar (quase lhe ensinaram a rezar a missa também).
Mas, afinal, qual o grande “problema” mesmo?
Antes de mais nada, uma coisa é certa: a Festa de Maio não acabou. É bem verdade que enfrenta os problemas de readaptação a novos comportamentos, coisa que ocorreu nas outras paróquias do Xingu, mas aos poucos estão se acomodando no seu devido lugar.
O que ocorre em Vitória é semelhante à tradicional relação “compra e venda”, “freguês e comerciante”. Enfim, alguém faz, outros pagam e querem ver e aproveitar. Mas assistindo. Aquele tal do engajamento cristão é alheio à prática católica, tanto aqui como na maioria do mundo. Então, se não há engajamento, não há compromisso, nenhuma espécie de pertencimento, e, consequentemente, o resultado será a desinformação, o estranhamento da mudança de uma coisa que nem mesmo as pessoas sabiam por que existia. Daí, confusão total. E a culpa? A culpa precisa ser lançada sobre alguém. Algum “bode expiatório” (já que não procuramos ovelhas) precisa ser o escolhido. E como temos aquela velha concepção deixada pela cultura colonial de que alguém manda e outros obedecem, então há a distorcida concepção de que o padre deve pagar pelo “erro”, pois se pensa que ele é o “chefe”, o “dono” da Igreja. Viu? Até na vida religiosa temos a ideia de que há um patrão.
Outra atitude muito típica na nossa cidade: o consumo de bebida alcoólica que é excepcional e, embora não haja dados estatísticos, é provável que a média de consumo por habitante seja uma das maiores do Estado. Há um bar em quase toda esquina. Há várias danceterias e casas de show. Eventos que promovem a bebida acontecem quase que diariamente, como apresentações de cantores e bandas de fora. Sem contar os eventos patrocinados pela prefeitura, como carnaval, Vitsol, aniversário da cidade, rally, em que há muitas vendas de bebidas nos entornos. Vitória tem várias distribuidoras e as vendas no atacado são, em termos financeiros, bastante satisfatórias. Até perto das escolas se vendem bebidas alcoólicas. Aliás, eventos da educação envolvem álcool, principalmente os juninos. O próprio comércio varejista dispõe de um arsenal de bebidas com grande destaque em prateleiras e com uma variedade de dar inveja a colecionadores. Até festa de aniversário infantil se divide em duas partes, uma para as crianças e outra para os adultos e, nesta última, o critério é a presença de bebida alcoólica. Em frente a muitas casas, percebem-se pessoas conversando e degustando um vinho ou mesmo cerveja. Quantos finais de semana em casa não há bebida? Às margens dos igarapés, nota-se o grande consumo de álcool e onde ainda ficam latas e litros vazios para milhares de anos de decomposição.
Bem, nesse caso pode-se dizer que Vitória do Xingu não tem problema de falta de bebida. Então, do que mesmo se está reclamando?
Aí se chega a uma questão de pseudomoral que consiste em atacar, com pretensa aparência moral, aquilo que parece imoral. Ou seja, é dizer que a festividade de maio está acabando por causa do padre que não deixa vender bebida alcoólica na barraca da Santa. Isso seria “imoral”. Nesse caso, estariam com a moral aqueles que se afastaram do evento por não perceberem seus anseios dionisíacos serem  contemplados. Nesse caso, sem álcool, sem festa.
Se há o costume de se beber em quase todas as ocasiões e se percebe que isso não foi permitido em determinado local, então o evento não vale, não significa nada. Agora se chega à questão simbólica do álcool e do ato religioso em si.
Como a sociedade constrói símbolos para representar valores, se mudam os símbolos, mudam-se os valores. O problema é que nem sempre se mudam os valores que deveriam ser mudados. A revolta por uma perda tida como importante faz com que alguém contamine o símbolo todo. Por exemplo, se alguém que frequentava a barraca da Santa por causa dos momentos de nirvana ali vividos em função dos efeitos do álcool, de repente se vê na condição de ser orientado a primar por outros valores, como a fé, e mais, percebe que a fonte do seu opiário não está mais ali, então tudo e todos de lá são anulados e tidos como vilões que mudaram a pseudomoral e, portanto, não têm o direito de submeter mais nada à apreciação de moral nenhuma. Agora tudo é “imoral”.
Mas quando alguém ou um grupo muda um valor (e consequentemente o símbolo) é preciso que instale o novo valor e que seja promovida a nova simbologia. E isso houve. Por exemplo: se o álcool foi retirado da barraca da Santa, em seu lugar foi instalado o convite à prática religiosa por meio de atitudes mais cristãs e evangélicas. Aí o problema começou. Por quê? Porque o álcool em si conduz a pessoa àquilo que ela mais deseja: à concretização de delírios oníricos, à alucinação e fuga da realidade opressora, pois as pessoas não entendem como uma sociedade seja tão injusta a ponto de não resolver nada, deixando ao homem a única saída: fugir. Fugir para não explicar nada, para não ver nada, para anular seus sentidos. E o que isso resolve? A mesma coisa de que tudo que foi dito: nada. A fuga é temporária. Mas muitos se imaginam abençoados quando fazem isso. Pensam estar compartilhando com Deus um momento. Esse é um típico comportamento do homem: fugir dele mesmo. Mas quem garante que Deus ouve na ebriedade do homem? A muitos homens isso não interessa. Ou seja, o homem adora cultivar símbolos vazios. E ignora os abstratos.
O que é mais prático? Discutir a prática da fé e imergir em planos interiores de modo consciente ou cortar a relação com o mundo com um ato simples de beber? Alguma dúvida quanto à resposta? Não creio.
Mas outra coisa ainda está em jogo. Se o símbolo novo, o dos valores da fé, agora é posto à prova e questionado (embora com falácias, mas é contestado), então em razão de que e de que símbolo se originou a festividade da padroeira? A tese até então sustentada é a de que essa tradição católica servia para homenagear a mãe de Jesus e render-lhe graças (em forma de pagamento de promessas) pelos milagres e pela intervenção divina da santa junto a Deus. Talvez muitos nem imaginem isso (muitos até pensam que a festa de maio são só as noites na barraca!), mas é esse o pano de fundo do sentido religioso da festividade essencialmente falando. E vem o problema: como nossa experimentação da fé cristã é como uma lei que não se cumpre e se burla o tempo todo, então nunca ficou claro o que é realmente praticar os atos cristãos. Ficando em aberto, o povo incrementa o evento da forma que lhe é conveniente e adiciona elementos pagãos quantos forem necessários. A presença de bebida alcoólica nunca foi e nunca será comprovação de fé cristã nenhuma. Numa festa religiosa, portanto, ela apenas simboliza um comportamento tipicamente social, assim como numa festa caipira da zona rural não ser estranho ver tanta gente com chapéu de vaqueiro. Porém, o chapéu está longe de uma comparação com a bebida, pois a nocividade dela e o amparo dele são antagônicos.
A proposta da Igreja condiz com o que prescrevem os ensinamentos religiosos bíblicos, o que ocorre é que o que é bíblico é tido como sublimação e algo indefinível pelo homem, que, por sua vez, prima pelo concreto, pelo momento, pela situação criada em função do que a bebida provoca. O homem, definitivamente, não consegue apreciar, ver as nuances, refletir, compartilhar sentimentos humanitários, ser introspectivo. Ele prefere que suas ações sejam atípicas, fora do comum, excêntricas e que os que estão ao seu redor percebam isso.
Mas os que trocaram a simbologia da festa não têm com o que se preocupar. Como dito antes, não falta bebida na festa de maio, em junho, em julho, agosto, setembro, outubro, no ano inteiro. O que falta é quebrar ou derreter o ferro do rompimento que se criou entre o homem e o divino. E essa tarefa é a mais difícil. Pois as famílias estão sendo derrotadas pelas influências de novos valores advindos dos meios de comunicação e da tecnologia. As escolas estão perdendo para as redes sociais. As igrejas estão caindo em descrédito. A política continua sendo a traça que corrói a democracia. E o homem é um ser cada vez mais descrente de si mesmo. Com tanto pessimismo assim, fazer o quê? Beber. Fugir. Fingir que o mal não existe. Criar o “bem” da ilusão e da permissividade.
A outra forma é aceitar que os valores mudam, que a sociedade muda e aprender a captar mais o que é divino, sagrado, santo, puro, religioso.
Outro problema é dizer que o padre está acabando com a festa. Quem não vai à festa é que acaba com ela. Quem não compreende o novo símbolo é que está brigando por algo para não se comprometer com a novidade e com o resgate de valores que, segundo a própria Bíblia, deverão ser mantidos até um julgamento final. E como o homem tem medo dessa prova e também a desconhece, de tanto ela demorar ele já acha que não vai acontecer, então ele se permitiu criar todas as formas de fugir dessa linha da prática cristã.
E como o padre não é uma igreja, nem o símbolo dela, é bom que se saiba que ele sozinho não faz o catolicismo. Ele é servo tanto quanto os outros. É mortal e pecador. E nessa empreitada ele não está só. Ele não é patrão. A decisão de retirar a bebida da barraca é coletiva, e deve ser prescrita conforme os valores do cristianismo e de acordo com a situação específica, do alto grau de consumo, do número de acidentes e até de mortes. Não que isso não vá deixar de acontecer, mas que também caberá às escolas, aos políticos, à sociedade em geral repensar suas ações e mudar o quadro de danos causados em função do consumo exacerbado de álcool. Outra, catolicismo não é sinônimo de alcoolismo, pois muitas pessoas mudam de religião para deixar de beber. É a mesma coisa de muitos remédios para emagrecer que trazem na receita o seguinte: “Para fazer o efeito desejado, você deve manter hábitos e alimentação saudáveis”. Então, o que mesmo vai fazer efeito?
Isso ocorre porque vivemos mais pela democracia que pela fé. Por isso que muitos dizem que bebem porque a religião católica “não proíbe” beber. Isso não é um dito de fé, é um amparo legal contido na Constituição. A questão da fé perpassa por outros caminhos e ideologias.
Portanto, a festa de maio precisa ser um símbolo do cristianismo aqui em Vitória e não do consumismo dos fornecedores de bebida. Mas se isso é tão difícil de impregnar em nossas práticas, de cristãos tão falhos que somos, logo só resta afirmar que se um dia a festividade de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos acabar, então, na verdade, ela nunca existiu.

Mirinaldo, 27 de maio de 2014.