terça-feira, 23 de abril de 2013

O REINO EFÊMERO



O efêmero quis enganar o eterno
fez-se terno e doce
e quis jogá-lo ao inferno
mas o eterno
sábio e sagaz
dono dos reinos e das sortes
tornou-se rígido e forte
e venceu a luta do tempo
mas deixou o efêmero reinar
como louco
para dar a prova certa
de que os que a si tanto se referem
se desfocam do tempo
e se corroem cegamente nas paixões
aliás, a paixão foi a doença
que o eterno deixou
para que o efêmero
a tomasse para si
e mais louco ficasse.
O eterno deteve o amor
afastou-o das insanidades
do efêmero
este apaixonou-se
pelas futilidades
e levou consigo legiões de cegos
colocou-os num falso paraíso
onde dizia estar Deus
mas Deus privou o eterno das doenças
e deu-lhe a guarda do amor
Deus confiou ao eterno
que ele cuidasse desse bem
e sua vida seria simplesmente amar
o efêmero roeu-se de inveja
e criou mais formas de paixões
multiplicou-as tanto
que algumas viraram psicoses
perturbações às almas
delírios e suicídios.
Deus separou a paixão
isolou-a do eterno
e pôs para isso a razão
sim, a razão!
Muitos porém
saíram da razão e voltaram
ao recinto fechado da paixão
e decidiram condenar-se a não amar.
Daí o efêmero inventou falsos amores
tornou-os pacotes fechados
vendeu-os facilmente
ofertou outros
e promoveu alguns
resultado:
Deus condenou tudo
quanto fosse efêmero
e o mundo onde ele,
o efêmero,
vive
será dominado pelo eterno
que trará o verdadeiro amor.
Enquanto isso,
viver é uma paixão
e amar é um sonho.
Eterno...


Mirinaldo, Vitória do Xingu, 22 de abril de 2013

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A LÂMINA



           
            E estou eu no meu canto. No canto onde jogam a solidão. No canto sem melodia nem acordes. E estou só. Embora eu não entenda bem o que é estar só. É só. E porque não entendo, também não canto nenhum canto de dor. Nem a dor veio me visitar. Tudo é só um canto, sem encanto de nada.
            O vento da hélice sacode alguns papéis jogados ao chão da sorte. Papéis que são como dados lançados em lances de jogo. Eu não jogo. Mas estou no jogo. Os papéis eram falsos poemas de amor. Eu disse que os poemas eram falsos, não o amor. O amor eu não sei como existe. Ele também fica em seu canto. Mais inexplicável do que eu. Eu e o amor somos alheios. Ele já não me liga a nada. Ele, não me é nada. Mas sua máscara é tudo. Tudo que lhe encerra e lhe reluz é bom. É doce. Mas o amor não deixa seu canto. Por isso, eu o olho e o percebo sem encanto algum.
             Passo suavemente meus pés arrastando alguns papéis pelo chão. Eu e os papéis estamos no chão. A hélice parece girar com mais força, parece que um leve vento a fez ter mais ânimo. É a janela entreaberta do quarto. Eu disse do quarto, não do meu canto. Por ela passou uma brisa um pouco agressiva. Passou por mim e beijou meu rosto. E nesse instante senti um amor. Fiquei faceiro, alegre e vermelho. Mas foi-se a brisa e nada ficou. Então novamente não compreendi.
            Mas eu não preciso entender tantas coisas. Essa brisa maldita comigo brincou. Animou meu coração ali aquietado. E...Foi-se! Foi-se. Foi-se...
            De repente um ruído vem da janela. Entra por ela e conhece o meu chão. Cai perto dos meus pés, junto aos papéis. Que susto! Olhei com mais calma. Arredei-me um pouquinho. A hélice maldita e sua brisa comparsa mataram uma alma em frente a meus olhos. Primeiro me fizeram sonhar um segundo. Mas agora, sem vida, estirado no piso frio, ali quedava um lindo corpinho: era de um passarinho sem respiração.

Mirinaldo, 11 de abril de 2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

QUEM É, AFINAL, O CARA?



           

Um texto no Facebook chamou minha atenção ao se reportar ao personagem Téo (ou Théo), da novela Salve Jorge. A escrita, basicamente, trazia a informação dos relacionamentos que esse personagem vive na novela e que recebe o apoio de uma ampla margem do ibope feminino. A ideia central do que eu li está em torno do seguinte: Téo é um garanhão. E só. Ou seja, a ele se pode dar o direito de defender um pretenso amor (margeando o platonismo) e ser visto como detentor de um caráter inquestionável por conta da sua luta de cavalaria em nome de uma donzela que ainda vai sofrer por não poder viver esse grande amor.
            Pois bem, vamos entender melhor esse “mocinho”. Antes, quero me reportar a outra novela lançada no horário das nove, O Clone. Na época, era quase unânime a torcida para que Jade, que era casada com Said, vivesse seu amor com Lucas, que por sua vez, era casado com Maysa. Como o amor dos heróis não foi possível, devido às convenções do casamento, então Jade passa a ter encontros extraconjugais com Lucas, o que é muito bem recebido pelo público.
            As duas histórias, embora em anos e tempos diferentes, têm muito em comum. Ambas deturpam a ideia original de amor platônico, por incrementarem um velho comportamento humano: o adultério. Ou seja, para se ganhar audiência, vale-se de histórias que parecem (eu disse parecem) retratar a luta pelo verdadeiro amor, mas às quais se permite o gozo das relações de aventuras e de traições. Busca-se justificar o adultério por os personagens encontrarem em seus caminhos pessoas que atrapalham a realização plena do amor.
            Téo é um personagem que recebe aceitação pelo que faz por justamente se encaixar no antigo mundo das fadas: ser bonito e galante. O vai e vem nos relacionamentos do personagem não sofre retaliação do público por ele deter a máscara do homem ideal: bonito. Ou seja, Téo viveria a figura de um romântico.
            A música de Roberto Carlos é outra que perdeu seu sentido por não se relacionar mais com as novas práticas do galã (violento, revoltado, vingativo, adúltero). Mas o poder do cavaleiro é comprovado na maneira como ele trata outra personagem tida como dura e resistente: Lívia. O fato de Téo a ter aos pés dele e humilhá-la propõe a ideia da força do seu encanto e isso “legitima” seu caráter e o torna um herói aparentemente completo.
            Outra, Téo está se encontrando novamente com Morena, o que foi muito bem recebido pelos telespectadores, mesmo ignorando o fato de a atual mulher dele ser “merecidamente” ignorada e enganada. Para o público, isso é uma luta pelo amor. E vale a pena. Agora só resta Glória Perez tornar Érica uma mulher obsessiva, violenta e amarga (da noite para o dia). E o público odiará essa personagem (da noite para o dia).
            O “Esse cara sou eu”, de Roberto Carlos, é só uma vendagem de sonhos, igual aos mesmos discos vazios do cantor, assim como os exemplos de Téo são uma máscara alimentada pela necessidade do Ibope na audiência “global”. Téo não é o verdadeiro romântico, é apenas uma representação do galã de novelas brasileiras.
            O resultado disso é uma moeda. De um lado, percebem-se bem retratados os relacionamentos frágeis e adúlteros do nosso tempo e, de outro, a injeção de credibilidade de que isso é absolutamente aceitável e natural. Banal. Trivial. Um círculo vicioso e normal.
            E os bons valores, as igrejas, as escolas e a família perderam ante o comodismo televisivo criado no Brasil: a violência já não espanta, a corrupção já não espanta, a miséria já não espanta, o erotismo já não espanta e o adultério já não espanta. Vivemos ante o oco moral histórico construído ao longo dos séculos e ganhando legitimidade por conta da nossa tão argumentada natureza humana vulnerável ao erro.
            Vivemos numa sociedade sem bons ídolos, sem boa música, sem políticas sociais verdadeiras, com poucas práticas religiosas, com alto consumismo, com nossa submissão à tecnologia, sem a célula familiar funcionando como deveria e agora sem qualquer pudor para se justificar que estamos amando. Não se precisa ter profundeza, nem se provar que se ama alguém, bastam cenas e frases de efeitos publicitários para que a beleza exterior (a física) ganhe a força de um caráter. Impressionou? Então é amor!
            Depois disso tudo, é simples afirmar que Téo não representa mais aquele romântico pregado naquela música e que ele é mais um homem comum, mais do que se imagina. Seus vícios estão vindo à tona. Seus lances recheados de infidelidade fazem-no cair do cavalo. Não sei se a ideia de Glória Perez era a de propagar um tipo ideal, mas que esse que aparece na novela é muito carne e osso, isso é.
            Mas, a ideologia por trás disso tudo chama a atenção, pois, o fato de o público justificar a traição ao mesmo tempo em que parece refutá-la em seu cotidiano, põe à mostra o caráter duvidoso do brasileiro e a evolução de um comportamento histórico aqui arraigado: o do comodismo.
            Esse comodismo trouxe ao nosso presente a aceitação indiscutível e cega dos valores impostos pelos maus costumes. Assim como muitos dizem que se um político roubar, mas fizer alguma coisa já está valendo, assim também estão analisando certos fatos apenas por um ponto de vista. É o caso das novelas, como Salve Jorge, em que o público fica do lado de quem “se ama” e ignora a dor de quem deixou de ser amado, provando que o que acontece com os outros é com os outros. E que o amor é assim mesmo. E pronto. E traindo é melhor ainda, parece uma luta!
            Ante à fraca imagem de um herói pretensamente romântico, mas que caiu no  corpo de um garoto propaganda e a evolução do comodismo do brasileiro, cabe questionar: em que lugar se pode confiar em alguém? No Facebook? Em casa? Em que lugar e ocasião as pessoas realmente se amam? O que se vive hoje se vive para si e para o seu outro ou se vive apenas para que outros vejam que você vive “bem”?
            Então, trair alguém vivendo certas fantasias eróticas, sexuais, fazendo sexo pelo telefone, pela internet, pelo celular é normal? Na televisão é. Alguém aceita isso em sua vida real?
            Quantos Téos a Globo vai produzir? As Jades vão voltar? Com certeza. Isso está ligado ao mercado, ao capitalismo, não ao que nossos antepassados nos deixaram. As novelas só vão mudar se nós também mudarmos. Os valores e ensinamentos que elas estão proporcionando ao público vão de acordo com o que esse público acredita. Nesse caso, a mídia alimente o povo e o povo alimenta a mídia.
            Portanto, ver novela e entender novela precisam ser separados. Do contrário, o Téo está certo, porque “ama” a Morena e a Érica está errada e louca, pois está com um homem que amava uma morta. Detalhe: só nós sabíamos disso.

Mirinaldo, Vitória do Xingu, 08 de abril de 2013.