sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

E será um menino!



Por Mirinaldo

Hoje nascerá um menino. Um menino pobre. Não terá enxoval de bebê. Não terá lenços umedecidos. Não usará fraldas descartáveis. Não terá um pediatra. Não nascerá em hospital nem ao menos sob um teto de um barraco. Sua mãe não terá os acessórios de parto. Nem parteira. O menino não nascerá entre paredes. O menino não sentirá o aroma de um quarto perfumado, preparado só para ele. Será um miserável. Um indigente. Um marginal. Apenas um filho da mãe. A mãe dele. E nós estamos sabendo de tudo isso. E nós também vamos esquecer tudo isso. E, por esse menino ser rei, a nossa imaginação só nos conduzirá para a ideia que temos de um... rei! E o imaginaremos rico, forte, coroado, tronado, majestoso. Nossa miséria humana o verá como... rei. Um rei tal como os reis da terra. E eis a nossa fraqueza ante o menino: pensaremos que bastará adorar o rei para que sejamos agraciados por ele. E vamos, depois do dia 25, continuar a imaginar esse menino como um rei humano. E vamos imaginar a sua glória aqui mesmo na terra. Grande erro o nosso. E daí vamos personificar esse rei e projetá-lo nos falsos profetas. E vamos alimentar esses profetas com nosso trabalho. E viveremos a ilusão do evangelho. E tudo porque esquecemos quem era o menino. Que isso cesse. Não mais acreditemos nos reis da terra. Eles não existem. São uma ilusão da prosperidade. A pior personificação do Natal não é a do Papai Noel, é a dos falsos profetas. E dura será a nossa sina quando ignorarmos a visão de rei terreno e passarmos a seguir a trajetória do menino-rei que hoje nasce. Saberemos sofrer como ele? Saberemos o verdadeiro amor que ele ensina? Pensaremos como ele pensa? Seremos pobres como ele é? Continuaremos a nos inspirar nos reis da terra ou passaremos a perceber que o menino que nasce hoje tem rosto humano de pobre? Amaremos os pobres ou vamos seguir o evangelho dos ricos? Comemoraremos o Natal do Senhor ou o natal de um menino que se torna rico quando vira evangélico? Conheceremos o Evangelho ou apenas as pregações sobre ele? Enfim, seremos como esse eterno menino ou vamos crescer nos afastando dele?
Se é Natal, então eis a nossa grande chance!
Feliz dia do eterno menino do verdadeiro Evangelho!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Oro por ti, menina de trinta.



Por Mirinaldo

Que teus dias sejam longos como são teus leitos de rio e que sejam anos suaves como teus braços de igarapés. Abraçada por águas, vives em eternos banhos dados pelo teu Xingu. Graciosa e bela sob o sol que se exibe para ti durante todos os dias e, tímido, esconde-se por trás da Ponta da Serra todas as tardes, és o encanto diário que dilata nossas pupilas e nos faz orgulhosos de sermos teus amantes fiéis e agraciados por tua baila. Serena e bela sob a luz da invejosa lua, estás sempre a cantar de tantas formas e de tantos tons que nossas almas encontram o deleite certo ao som de tua música. Acolhes-nos com tuas mangueiras, com sombras e frutas doces, ao mesmo tempo em que nos apaixonas com tuas pixonas de histórias mil que inspiraram as tantas gerações a se multiplicarem e até hoje guardas o segredo de todas elas. Vive triste quem não conheceu tal doçura da vida. Foste cúmplice dos encontros fortuitos e afortunados da caixa d’água, de onde, se quedasse tarde, soltavas a loira da mangueira expulsando os amantes ávidos por mais tempo sob a escuridão conclamada pelo silencioso motor de luz. E clamavas pela Matinta-Pereira, pelo Pinto-Pelado. E quantas novelas deste aos teus a oportunidade de assistir na praça dos Benjamins onde, às dezoito horas em ponto, tocavas a Ave-Maria. E quantos bilhetes ardentes de paixão foram lidos pela voz de ferro do alto-falante que ali tocava e embalava os namoros dos alunos que não se continham nas salas ao ouvirem as músicas românticas em inglês. Todos lugares suspeitos e proibidos de viverem a personificação da fala humana. Que se calem para sempre! Tu, Vitória, liberaste teus filhos para os banhos de água de chuva sob fortes trovões e relâmpagos numa água lamacenta que corria pela avenida Manoel Félix de Farias e terminava na praça dos Benjamins. Moleques e molecas davam seus gritos de euforia e voltavam para casa realizados e sem gripe alguma. Quando houvesse um corte, merthiolate! Aí se conhecia o grito da gurizada. Ou quando tiniam os galhos de goiabeira casas adentro, também se sabia que uma aula estava sendo dada. E tu, Vitória, rias-te sem parar. Eras uma menina que corria para o igarapé do Gelo, do Facão, do Tira-Calcinha, do Jandiá, que corrias pelos caminhos que levavam para as ramagens e árvores ao redor da vila de pescadores e estivadores. Eras tu que saltavas da rampa da Reicon, da Prainha e do Tuba. Moça levada que tocava tambor com Calazão, que dançava na Caçulão, no Vadoca e na Barraca. Eras tu que te benzias dos ciúmes das moças com ramos e atravessavas o campo Padre João, à noite, para cursar o magistério. Querias ser professora! Eras tu, ainda moleca, que choraste tantas vezes sob o sino tocado pelo seu Manoel do PT anunciando uma ida ou também que te assanhavas ao ouvir o mesmo sino aos domingos para as missas. Deixavas o dominó com o Chico Rita, com Tenório e tantos outros e te tocavas ao banho apressado e ias, com vestido de chita e perfume de lavanda para ouvir o padre dar seu sermão. E a quantas procissões foste descalça sob a chuva de maio e rogaste por um namorado. É por ti, que agora trintaste, que oro todos os dias para que sigas firme teu trajeto de cidade e que busques a maturidade que teus trinta anos te ensinaram. Que tua beleza seja o teu verde lindo aclamado em nosso hino e tua história seja a fonte das letras dos poetas filhos teus. E que tuas ruas cresçam em vida, em luz e em forte esperança de que cada dia é sempre um dia para recomeçar a pensar numa nova história chamada Vitória, uma vitória que começa no Xingu, teu pai, e termina no coração de cada filho teu. Daí por que te chamo: Vitória do Xingu. E te felicito, hoje e sempre!