Por Mirinaldo
Já me perguntaram várias vezes se eu votarei em Bolsonaro.
Respondo com questionamentos. Mostre-me, desde os homens das cavernas até o presente, quando alguma elite defendeu os pobres. Mostre-me em que lugar do mundo histórico alguma civilização tipicamente urbana já viveu sistematicamente em solidariedade, ou seja, dividiu tudo o que produzia entre todos. Mostre-me ainda quando e onde algum sistema político eliminou as desigualdades sociais e implementou um sistema de equidade social. Não perca tempo. Isso nunca aconteceu. Ainda é utopia. Minto. Agora lembrei-me que Jesus Cristo pregou as respostas às minhas perguntas. Mas, também com prego, crucificaram-no, pois é assim que são tratados os que defendem regimes solidários e sistemas democráticos. Sim, aqueles sistemas em que o valor humano se sobrepõe ao materialismo exacerbado defendido pelo capitalismo.
O capitalismo reinventou Deus, dissolveu-o em formas outras que o tornou uma figura fluida ante o imperialismo dos príncipes do mundo e das riquezas que eles divulgam com a demagogia de que nós também podemos possuí-las, se trabalharmos em prol dos objetivos naturalistas do sistema. Ou seja, que abdiquemos até de quem somos e nos tornemos as máquinas propulsoras dos lucros e do maior afastamento do sonho sul-americano.
Nenhuma religião, cristã ou não, no mundo, tem o poder de impregnar nos homens a força de sua fé verdadeira e tornar o planeta um lugar socialmente seguro, enquanto o capitalismo tem o poder de nos fazer medíocres e rasos de intolerância ao conformismo. Isso seria o mínimo a ser rebatido pelas crenças. Mas não o fazem porque são simplesmente meras religiões que comungam das ambições do Estado. Nesse caso, são suas sucursais.
Quando uma ideologia imperialista se extrema, ela se torna uma força. E força exerce pressão. A força não se coaduna com o diálogo dentro do processo democrático, pois se assim o fizer será uma força transformada em energia. E a energia revitaliza as massas oprimidas. Daí se pode gerar uma nova força. A força que mais conhecemos, no âmbito não religioso, é o socialismo. Foi e pode ser a única força contra as injustiças sociais. Esqueçam as religiões. Pelo menos pelo que são agora. Elas pertencem ao Estado que se finge de laico. Não são qualquer ameaça a sistema político algum. São, na verdade, mais um partido de base aliada (usando um exemplo à brasileira).
Bolsonaro aparece como alguém que promete fazer o óleo e a água serem uma coisa só. Promete a fusão da ordem do Estado através da aplicação de uma força sobre a desordem ora instalada, como se um Estado idealisticamente perfeito pairasse numa nuvem com um arco-íris ao fundo. Há, na verdade, a proposta de impor uma única voz à nação e deixá-la apenas no plano da audição e subserviência. A ordem e a honra que pregam seus seguidores dizem respeito à pressão estatal sobre as forças (fracas) de resistência. Nesse caso, estamos, sim, falando de um Estado Absolutista, com o monopólio da verdade e da lei. Tudo dar-se-ia pela batida do martelo marcial antirrepublicano.
Essa política já se defronta com uma das bandeiras mais fortes da democracia: a valorização e o respeito às diferenças. Isso teria de se ser apenas uma questão retórica para legitimar a governabilidade. Em outras palavras, a valorização positiva das diferenças seria uma aberração ao Estado Cristão que, propositadamente manipula a leitura bíblica para uma padronização de comportamento dito ético e ortodoxo. Nesse caso, as igrejas cristãs, principalmente as mais conservadoras, assumiriam um papel de leitoras das tábuas de Moisés sobre como o Estado deveria imprimir suas leis em nome de uma nação “verdadeiramente” cristã. A igreja não se aliaria ao Estado, ela já está aliada a ele, o que caberia a ela seria apenas renovar a catequese quinhentista efervescendo o dogmatismo (por exemplo, forcar-se no aumento do medo e na figura do Diabo como condenação) e não tratar das abordagens sociais. A base para isso seria (como é) a própria Bíblia, mas sem a interpretação popular (como aliás não ocorre). Penso, inclusive, como seria o mundo se o próprio povo interpretasse esse livro(!).
A figura de Bolsonaro está sendo projetada no sentido de convergência entre os valores cristãos (na verdade, dogmas religiosos) e o aparelhamento do Estado. Porém, isso já existe, mas se está pregando que não. E para que serviria afirmar tal proposta? Simples, para a ascensão do protestantismo (com impulso da ala conservadora), para a afirmação da burguesia como detentora dos supervalores, para a hegemonia dos superpartidos da direita, para a eliminação das resistências, para a criação de um Estado uníssono, para a anulação de direitos e conquistas sociais, para a criação de um superpoder sul-americano como forma de imposição de medo em detrimento dos acordos bilaterais do Brasil com seus vizinhos (uma cópia americana da relação States x Oriente) e para uma ordem moralista sobre a sociedade que geraria constantes espetáculos de ações cinematográficas das forças uniformizadas sobre homens e mulheres de vozes antissistema.
Bolsonaro seria a figura central e não o representante do Estado. Na verdade, pensa-se nele como uma figura macrossistemática, com uma reorganização do poder em que se possa configurar algo como um reinado e não como um mandato, ou seja, que ele seja acima do Estado e não um funcionário deste. Convergiriam para ele as forças intermediárias (primeiramente as religiões conservadoras) e dele irradiariam as normas e discursos orientadores de um comportamento militar sobre as instituições e os indivíduos.
Muitos afoitos (para não dizer neonazistas) sonham em ver Bolsonaro espalhando as forças armadas e a polícia pela sociedade como forma de marcar a presença do Estado. Em parte, eles estão certos, pois o Estado nunca lhes ensinou a como ver a sua presença e sempre conheceram a ausência dele. Mas também toda a sociedade tem sua culpa, pois nunca cobrou a figura estatal em seu seio. Nesse caso, a abstração do Estado (em só ficar no discurso) fomenta a ideia de urgir por seu comparecimento. E como há uma “desordem” vista apenas sob o prisma da corrupção, o povo não configura de outra forma a presença do Estado que não seja com a força física para combater o sangramento dos cofres públicos e a escalada da violência.
Ninguém agiu para o real combate dentro do próprio desenrolar da democracia para combater a corrupção. Parece que se quer abrir mão do debate sobre a questão e resolver logo, já. É sobre essa ansiedade que se assenta Bolsonaro. Promete urgência urgentíssima.
Mas os problemas do Brasil não se fecham na violência e na corrupção, falha grave na plataforma de Bolsonaro, pois demonstra que ele mesmo não cria plataforma alguma, apenas analisa o que os indicadores midiáticos afirmam a seu respeito e ele incorpora o que lhe dá melhor popularidade e lhe renderá possíveis votos. A questão social, problema secular no país, não aparece nem como ponderação em seu discurso. Mas por quê? Simples de novo. Resolver os problemas sociais, na mídia, só vai gerar indicadores numéricos. A massa só verá números. Isso não gera um bom símbolo. É tido como abstração. A metodologia de Hitler é um bom (mau!) exemplo de como um poder estatal pode ser visível. Entre números num gráfico na Rede Glopista e uma exibição de uma intervenção forte do Estado para uma adequação “moral” na mesma emissora, qual é mais simbólico? Foi o que Hitler fez e o que fazem as potências quando querem mostrar que têm mais poder. Mostram-se os homens e suas fardas, aí o poder é contemplado.
Outra questão em Bolsonaro é o acidente de percurso que o lançou na empreitada de 2018. A queda dos candidatos indicados pela Globo, PSDB, MDB (antes PMDB), DEM, os ruralistas, os banqueiros, o judiciário partidarista da direita e a alta elite brasileira foram sufocados dentro do caldeirão de corrupção que a mídia pensou que fosse cozinhar só o PT. O que estava ocorrendo era que havia só dois candidatos: Lula e qualquer um da direita. Desta última não veio. Bolsonaro sai projetado pelos fanáticos por mudanças radicais, não consistentes, mas de grande impacto midiático. Ou seja, há uma plataforma sendo criada, agora, para Bolsonaro que comprova que ele nada fez para construir uma base política que o trouxesse até aqui. Assim como Lula promete romper com a quebra dos direitos, Bolsonaro promete quebrar a corrupção. Nesse caso, ele está aprendendo a lidar melhor com a mídia que o próprio Lula, já que trata de um tema diariamente abordado e dado como irreparável, senão pela força.
E é essa força que ilude certa massa descomposta de visão sócio-histórica-política. Que quer figurar o poder sob forma de ações midiaticamente espetaculares. Então retomo os questionamentos do início deste texto. Bolsonaro recebe NÃO a todas as perguntas. Ele não é estadista para armar o Estado, tampouco representativo dos discursos antagônicos que formam a ideologia miscigenada num país continental como o Brasil. Além do mais, Bolsonaro não apresenta qualquer tendência a uma reestruturação profunda no sistema político, na verdade, é muito retrógrado, pois delegar poder militar para tratar de civismo é a contramão da democracia. E mais, o Brasil está inserido no sistema global da economia e dos acordos internacionais e não tem qualquer condição de rompimento com estes como forma de copiar as ações isoladas de Trump, que cairia no gosto de Bolsonaro. O país é controlado (voltou agora recentemente depois do golpe) pelo FMI, não tem assento significativo na ONU e vai mal das pernas nas relações de acordos comerciais. Bolsonaro poderia chamar a atenção do mundo apenas como um líder que dá ordem de maneira desordenada em conformidade com os interesses baseados no circo romano em que a fera seria a direita branca e poderosa e o gladiador derrotado seria a esquerda estigmatizada pelo ódio aceso pelo espetáculo das operações “anticorrupção” comandadas pela Globo, tucanos e judiciário comitê.
A falta de opção para representar a direita brasileira é tanta que Bolsonaro está sendo projetado apenas pela imagem física semelhante à de um coronel, e pelos adesivos nos carros. Sua história é totalmente ignorada, pois o tempo programado pelos golpistas está se esgotando à medida que as eleições se aproximam. Mesmo sem ter sido o alvo de interesse da mídia manipuladora, Bolsonaro é fantoche ideal para se trabalhar a propaganda de que a esquerda não faz falta (embora não se tenha nada melhor para o seu lugar, uma vez que o câmbio é mais importante que o pobre). Ele converge o ódio coxinha e só servirá para dar o bom show se puder decapitar qualquer um que use vermelho. Fora isso, temos um cidadão brasileiro que ainda precisa conhecer onde fica a barriga do Brasil e não a mão para pegar a arma e atirar na fome. E haja hipocrisia religiosa crescente para sustentar dízimos de miseráveis em nome de Deus, mas entregues ao Diabo. Esses “certos” e Bolsonaro se merecem!
Qual era a pergunta mesmo?