Falhamos. Fracassamos. Envergonhamo-nos. Decepcionamo-nos.
Nós. Nós que batemos no peito: professores! Ou mais ousados ainda: e-du-ca-do-res!
Falhamos. Temos que assumir isso. Temos que nos envergonhar disso. É como se
nada tivesse valido a pena. A nossa... a nossa alma foi pequena.
Era para termos ignorado a cartilha deles. Não deveríamos
ter ficado nos verbos conjugados fora de todos os tempos, nos cálculos de
probleminhas de matemática, nos desenhos ridículos de mapas do Brasil, nas
experiências mesquinhas de combinações químicas, naquelas discussões fajutas sobre
moral, república, Platão e não deveríamos ter decorado Camões, Manuel Bandeira
ou termos perdido tanto tempo naquelas redações ridículas de “Como foram suas
férias?”. Nossa! Quanta coisa não bastou. Nós nos bitolamos, fixamos o olhar
para as coisinhas do ensino. E rezamos a cartilha direitinho. Nós ficamos de
joelhos sempre. E ainda fizemos nossos alunos serem punidos, dando-lhes aquelas
palmatórias (que, aliás, de nada serviram).
Quantos livros didáticos comemos? Quantas tabuadas foram
compradas e decoradas a favor de imbecilidades? Quantos castigos foram dados em
troca de um ensino de nada?
Nunca fomos professores de verdade. Só usamos essa palavra
para firmar uma bandeira de luta. Uma luta que sempre perdemos. E ainda temos
muito que perder. E por que pensar assim?
Simples.
Quantos imbecis de hoje não foram nossos alunos ontem?
Quantos cretinos atuais não estiveram sob nossas ordens? Quantos ladrões republicanos
não riram conosco em nossas salas? E eles se tornaram nossos chefes, nossos
donos, nossos algozes. Assumiram o poder, estão no poder, e mudaram suas vidas
roubando e criando leis idiotas, estúpidas, autoritárias, furadas, cheias de
remendos para serem costurados conforme o interesse deles. Eles, os nossos
ex-alunos. Não fomos capazes de educar os tais cidadãos de que falávamos e que
fazíamos questão de escrever nas filosofias escolares. Não produzimos o animal
político. Não produzimos os líderes de que falávamos. Foi um fracasso. E os
bons? Os bons alunos... esses não chegaram lá. Resolveram ser como nós. E,
sendo justos, foram e são injustiçados.
Nós não fizemos a devida interpretação dos fatos, não
compreendemos corretamente o que diziam os verdadeiros filósofos (não falo de
Platão, de grego nenhum, menos ainda romanos). Dizíamos que íamos alfabetizar (hoje
dizemos “letrar”) nossas crianças para aprenderem a ler a vida, a serem
cidadãos, a se reproduzirem criticamente e realizar a transformação social e
política que poria o Brasil na realização de um sonho utópico: o da justiça
social. Que nada. Banalizamos o ensino. Não chamamos a “missão” para nós, só o “trabalho”.
Não fizemos as leituras que tínhamos que fazer, pelo menos do modo como
deveríamos fazer. E nas universidades, só aprendemos a decorar Freud, Piaget,
Valon, Emília Ferreiro e por aí vai. Fomos à luta com as mesmas armas com que
entramos no nível superior. Ou seja, a universidade está corrompida igualmente
os outros organismos, como as igrejas e as doutrinas. Foi só título. Antes os
políticos (nossos ex-alunos!) temiam que um de nós fosse à faculdade. Hoje não
faz diferença alguma. Eles, mesmo sem diploma, conseguem saber que por todos os
meios estamos cerceados pelas vontades deles. O sistema é único. Nós, os
professores (os e-du-ca-do-res!) é que somos células desconectadas e tão
diferentes entre si.
Com a nossa alienação, fizemos um grande serviço ao sistema:
ensinamos a ler, a escrever e isso automatizou as vítimas que hoje são chamadas
de cidadãos. Sim, nós formamos os cidadãos. Eles estão por aí, leem, escrevem,
e isso os torna aptos ao serviço da manutenção da ordem. Todos conhecem agora
os seus direitos e deveres. Afinal, faz parte da decoreba, é tal como uma
fórmula. E nosso papel fica nisto: mecanizar as mentes, tentar torná-las como
as nossas. Em vão. Nossas mentes nunca saíram de nós. Nós só falamos para
dentro.
Nós pensávamos que estávamos vendo o sistema de fora.
Ilusão: estávamos no núcleo dele. Éramos nós que instrumentalizávamos as forças
fracas de operários e vendávamos todos os civis para a continência à pátria
violada e deitada eternamente nas casas de poder. Poder que nunca foi nosso. Mas
que ajudamos a construir. Constituir? Nunca!
Qual político não foi um aluno? Qual deles nunca esteve ante
nosso jugo? Todos. Mas o que eles fazem depois? Pagam a polícia (também nossos
ex-alunos!) para nos prender e proteger a eles. Criam as leis que garantem seus
privilégios milionários, tão longe da nossa realidade que nem chegam a pisar
num hospital público para tomar sequer uma vacina. Que não deixam seus filhos
estudarem em escola pública para não serem vítimas das migalhas que de lá caem.
Que não viajam de ônibus. Nossa, quanta coisa nossa eles odeiam e lhes cheira mal.
Somos o nojo dos políticos (nossos ex-alunos!). Quanta diferença em tudo! No
salário nem se fala...
E eles criaram vida própria. Só descem do seu pedestal para
usurpar nossos direitos e cobrar o nosso velho voto. Nossos ex-alunos.
Agora mudaram de religião. São globistas. Rede Globo falou,
“tá falado”. E qual professor estará certo?
E hoje vemos ainda mais fatos que comprovam que falhamos na
nossa educação. A educação estatal, não nossa. Nem sabemos mais qual é a nossa
educação, se é que tivemos alguma. E não frearemos os resultados tão cedo da
nossa falta de ação. Agora temos uns cidadãos chamados coxinhas. Eles, sim,
representam uma educação padronizada, elitizada, formal, sabem tudo de direito
constitucional. De história, então, nem se fala. São grandes exemplos de
cidadania atualmente. São altamente midiáticos. Vão às ruas carregando seus
filhos. Não praticam a incoerência, nem mesmo quando pedem democracia e
ditadura ao mesmo tempo. Não podem ser vistos como loucos, arruaceiros,
baderneiros, depredadores do patrimônio público. Aliás, quem seria o louco? Uma
sociality com os seios de fora segurando uma imponente bandeira do Brasil e gritando
“Fora Dilma!” (sem vírgula) ou um professor gritando “Paguem o piso!”? Depende.
A Globo é que decide. Os coxinhas repetem e aí saberemos a resposta.
A atitude dos coxinhas não pode ser de todo negativa (retirando
a ironia lá de cima). Afinal, era o principal exemplo que eu queria usar para
comprovar que nós, enquanto professores (ou e-du-ca-do-res), falhamos. Coxinhas
são um produto da educação que não soubemos dar. Enquanto só falávamos de Paulo
Freire (aliás vi um cartaz “Fora Paulo Freire”) e de Carl Max só para exibir
nossa decoreba da academia (nome chique para universidade), o capitalismo não
perdia seu tempo. Como diz Padre Zezinho: “convencem mais cabeças do que o
padre lá no altar”. Não deveria ter sido só uma teoria. Faltou levarmos à
prática o que era socialismo, o que era Paulo Freire, o cristianismo de
verdade, as culturas dos guetos e das favelas, dos sem-terra, dos ribeirinhos, dos
índios, dos negros, tudo isso deveria ter entrado com força nas nossas
práticas. Mas não. Só citamos, afinal não queríamos nos comprometer com
doutrinas. Mas uma doutrina venceu: a do capitalismo. Hoje ela canta vitória. A
Globo comemora 50 anos de pura vitória sobre tudo o que pensávamos que
estávamos fazendo de diferente. Comparem o que ela incutiu nas cabeças dos
brasileiros e o que nós pensamos que ensinamos aos alunos. Já antecipo: ela
ganha. O que há de Globo e o que há de nós nas mentes deles? Perdemos de novo. Então
ela comemora. Ela fez em 50 anos o que não fizemos em 500. Nunca se alienou
tanto. Em curto espaço de tempo.
Os coxinhas? Bem, eles, há alguns anos estavam do lado de
cá. Mas ascenderam economicamente. Eu disse “economicamente”. Hoje não se
importam mais com o que ficou de fora do seu círculo de crescimento. Quando
saltaram, recolheram a corda. Não olham para trás com equidade. Nem olham para
trás. Eles passaram a idealizar uma bolha e colocaram dentro dela tudo o que
ganharam e uma TV a cabo. E o que eles ganharam eles não concebem como fruto de
um processo político e histórico. Para eles foi uma mágica, como os ricos ficam
ricos nas novelas. E esses bens que eles têm agora começaram a ser conquistados
por outros dos setores mais abaixo. Por conta disso, coxinha não suporta muitas
coisas, e duas delas são: dividir o aeroporto e pagar direitos trabalhistas às
domésticas. Há uma terceira que me ocorreu agora: odeiam bolsistas.
Os coxinhas são um produto do capitalismo, o sistema que nós
não soubemos combater ou controlar. E dele apanhamos. E dele nos oportunizamos também
para fazer nossas posses. Nós esperamos demais do Estado para ele providenciar
os rumos da educação. E ele o fez. Aí está um dos produtos: os coxinhas. A nova
mentalidade, ou mentalidade em satand by
que agora vai às ruas exigir, cobrar, gritar e cantar o hino nacional. É uma
alegoria, um exibicionismo, uma pobreza total de argumentos. Sim. Politicamente
não se aprende nada com um coxinha, pois o que eles fazem é baseado nos
impostos que pagam por conta de sua atual situação mui favorável. Eles foram às
ruas mostrar que ascenderam e que querem um poder que olhe muito mais para eles
e que reconheça isso.
Nós podemos até estranhar o que eles estão fazendo, mas se
assustar nunca. Você, professor, compare o “que”, “como” e “por que” eles
defendem o que defendem com o “que”, “como” e “por que” nós ensinávamos o que
ensinávamos. Coerência? Nenhuma. Mas eles são nosso produto assim mesmo.
Afinal, nós somos parte do sistema, somos engrenagem importante. Discordo
quando dizem que o governo não investe no professor. Investe sim. O que o
governo não faz é nos desamarrar do sistema, pois nós somos os que ensinamos a
ler e a escrever. Só temos temor de ensinar a interpretar com compromisso.
Seguimos perfeitamente a linha do “mostrar os dois lados”, a mesma coisa que a
Globo faz, porém nós não assumimos lado nenhum, enquanto que ela o faz
descaradamente.
Se a voz dos coxinhas não é a do país inteiro, mas de uma
elite que se partidarizou e dramatiza ser livre de ideologia partidária, então
o que esperar daqui para a frente? Não muita coisa que acrescente
politicamente. Mas que se pode esperar mais atitudes que, com o apoio da Globo,
podem se tornar inquietantes pelo número e não pela qualidade, isso sim pode e não
será bom. Cada vez que forem às ruas e, mesmo com fundamentos afundados, mais a
Globo pode vencer porque mobilizou mais “inconformados” e que, por conta disso,
o governo deve ceder: ceder é sair, é fazer impeachment. E não precisa de base
legal nem moral, basta que se aumente o número de pessoas nas ruas e que se
expressem odiosamente. Ódio é o contrário de amor. Não ama, então deixa. Se os
coxinhas não representam uma boa manifestação política para o país, o mais
certo ainda é que na bola de cristal deles não aparece o que acontece com o
Brasil depois que o PT sair. Mas eles querem o agora, e agora bradam que “Fora
Dilma!” (sem vírgula) e “Fora PT!” (sem vírgula) já eliminam toda e qualquer
corrupção. Aliás, para um coxinha, a corrupção começou com o Lula, o mesmo
presidente que eles abraçaram e deram 85% de aprovação. Agora não presta mais.
Mas eu me questiono: e se eles estiverem certos? Se dermos o impeachment de
Dilma e eliminarmos o PT do mapa, findará a corrupção? Eu topo. Aí sobra PSDB,
DEM, Agripino, Aécio, Marina Silva, Geraldo Alckmin, José Serra, Fernando
Henrique...
Não! Os coxinhas não estão certos!
Espero que enquanto ficamos sabendo de tudo isso, possamos
pensar no próximo produto que queremos oferecer de nós a uma sociedade justa,
coerente, democrática (sem misturar com ditadura), inteligente, leitora dos
fatos e não das paixões, amante de seus compatriotas e não odiosa e rancorosa
sem causa.
Essa sociedade nasce de uma educação que não pode ser mais essa,
uma educação derrotada pelo capitalismo e pelas demagogias da Rede Globo.
Aliás, a Globo não precisa ser extinta, muito pelo contrário, ela deve estar
firme para que possa ver, algum dia, que neste país nós fizemos uma educação
para a real liberdade e não para a insanidade que insiste em se exibir sem rumo
algum.
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