terça-feira, 13 de outubro de 2015

O PROFESSOR E O PODER



Dizem que o professor exerce a profissão das profissões. Nunca acreditei nisso. Pelo menos do ponto de vista prático, afinal, isso não passa de uma vã filosofia. Acho que ser professor hoje é um constante sinônimo de luta. E as causas dessa luta não param de crescer. Quando estamos avançando num ponto, perdemos em dois ou três. E as causas vão se somando. Exercemos uma profissão com inimigos claros: os políticos, a mídia e os que seguem a mídia. Às vezes nem nos damos conta, mas também somos inimigos de nós mesmos. E dentro da nossa categoria, há os que são mais oprimidos ainda, inclusive por nós – são eles meia dúzia de sindicalistas. Ou seja, a profissão de professor não tem nada a ver com as belas frases de Alexandre Garcia, porque são anedotas, nem com a própria pátria educadora, porque é uma proposta que não sabemos quem vai executá-la, além do que, a mídia e a direita fascista vêm ofuscando o que é o Brasil de verdade, desfocando nossa rara atenção para o apelo ao golpe. É só nisso que se fala: todo mundo agora tem uma moral que rebate os céus, desde que não seja petista. Ou seja, nunca simplificamos tanto nossa visão já minimalista (agora, sim, eu sei o que é a lei do menor esforço).



A frase “A profissão das profissões” é uma piada para qualquer jogador de futebol, principalmente os que se aposentaram em grandes fortunas e andam por aí pregando que o futuro do Brasil está numa bola (que tem de ser de futebol!) que supostamente sabe filosofar, como também faz rir duplas sertanejas, grupos de pagode, programas de auditório. Quem deles precisa de um professor? No país do futebol, do carnaval e das novelas, quem precisa de um professor? Na política do pão e circo, quem precisa de um professor? Nas propagandas eleitorais cheias de demagogias, quem precisa de um professor? Num país onde letrados votam em analfabetos, quem precisa de um professor?



O professor tem prazo de validade determinado pelas conveniências. Ele é marionete. Quem o move são os interesses e os míseros salários pagos pelo Estado em todas as suas esferas. Ainda estamos submetidos às vontades dos currais eleitorais e somos tal e qual qualquer membro que compõe a massa de manobra eleitoreira. Ainda votamos com a mesma mentalidade de quem vive a morrer de fome material. Aliás, parece que não sentimos outra fome que não seja essa. Nossas ambições são fortuitas e nossos sonhos podem ser qualquer coisa, desde que essa coisa não sejamos nós que a façamos. Não queremos correr nenhum risco, afinal, mantemos nossa vida por um fio em nossos trabalhos (que nem empregos são) somando-nos a milhões de figuras trocadas de cargo a cada quatro anos e rezando cartilhas de opressores para não matarmos nossos filhos de fome, enquanto pregamos uma pedagogia de um homem que mais parece um mago da caverna a quem chamamos Paulo Freire. Aquele que nós matamos numa pretensa filosofia revolucionária que caiu no logro capitalista. E junto com ele, Karl Marx.



Não somos professores a longo prazo. Somos o que vale o momento e, acredite, nunca impomos o valor de momento algum. Nossa missão (digo: obrigação) é cumprir esse momento e torná-lo memorável a um falso herói, nunca a nós. Nós, talvez, ganharemos o nome de uma escola quando morrermos.



Nós ainda somos o fracasso dos que reprovam no final de ano e um fantasma para os que “chegam lá”. Ainda somos alguém que “controla” uma sala porque atribuímos o que um aluno quer: a nota. Sem ela, aqueles famosos temas transversais de PCNs viram apenas matérias como as outras. Nós somos os que ensinam coisas de que muitos duvidam, pois se não está na internet, o professor não sabe. Somos os que gritam que a sociedade deve ser justa e igualitária e que todos devem viver na justiça social, o que serve para se rir quando Neymar tem seus quase 200 milhões bloqueados por sonegação fiscal, mas ainda ostenta o título de melhor jogador, de herói. Então isso basta. Aliás, estamos no país onde o honesto é o menos corrupto. Somos os que ensinam sobre o combate à alienação dedicando pelo menos trinta anos de nossas vidas, porém o que ensinamos sobre isso se torna simplesmente nada depois de trinta segundos da Rede Globo.



Fomos reduzidos a dar aulas.  A não pensar. E pior ainda: a não ensinar a pensar. Estamos confinados em nossos salários. O Estado nos deixou dependentes unicamente da nossa renda. O resto, ele pensa tudo. Ele controla tudo. Nem um grito. Nem uma crítica. Só sala de aula e enfeites das datas festivas. E a viver vomitando-lhe muitos elogios. Aliás, esse será o próximo confinamento do professor: a adoração. Não a Deus, mas a algum deus que poderá nascer de qualquer coisa, de qualquer monte, até mesmo das fezes de gado. Não importa o critério. Não pode haver critério. Critério é sinônimo de crítica. E crítica é insubordinação.



Em cada canto deste país, e mesmo desta menina explorada chamada América, é assim. Ou muito pior. Não importa se numa sala cercada de mato ou numa sala de uma universidade, a dominação chegou a todos.



O professor não morreu (ainda) no país do futebol. Mas está sobrevivendo. Não que eu ache que a imagem desse professor deva suprimir a de um jogador milionário de futebol que parou seus estudos ainda no fundamental, isso seria uma utopia e o Brasil seria irreconhecivelmente melhor. Ocorre que o preço dessa sobrevivência está ficando alto demais e o professor está passando a ter uma imagem deplorável, deformada pelo sistema político. Está como os políticos querem? Sim. Então não presta. O futebol tem mais a adesão dos brasileiros que o ensino? Sim. Então não presta. As novelas são mais apreciáveis que as aulas? Sim. Então não presta. As ideologias da mídia dominam mais que as da educação? Sim. Então não presta. O sistema de fato nos amarrou usando nossas próprias cordas. E de nosso útero docente está saindo uma geração que não cultiva em nós qualquer mudança, nem nela mesma, por isso sai às ruas batendo em panelas, ou temos cantor milionário usando a palavra “porra” para fazer uma revolução chinfrim, gente orando para tirar o governo porque é do demônio e colocar a oposição porque é do céu, que pede democracia e ditatura ao mesmo tempo, ou se não puder, que a presidenta morra. Tudo desconexo para o nosso entendimento, mas absolutamente coerente para quem pensou mais a politicagem do que os professores pensaram a democracia.



Essa mesma geração apostou tudo nos modos automáticos e se poupa de atitudes de reflexão. Quando vê um aglomerado, não importa a causa, vale por ser a reunião de vários, mesmo sem muito ou nada de sentido.



É, ser professor hoje envolve, sim, uma luta, mas também nós precisamos ajustar nossos alvos. E acredite, teremos de apontar para nós mesmos. Há muito o que descobrir no magistério, mas os campos são diversos e difusos e precisaremos começar por entender o que somos em tudo isso. Estudar muito além do que estudamos para repassar em nossas salas é outro meio de entender o sistema. Nunca tomar juízos prontos e ler mais sobre uma ideia pronta é uma maneira de ajuizar. Mas o mais importante ante um quadro de humilhação e subjugo a que são submetidos os professores na teia do poder imbecil é compartilhar. Ninguém será compreendido se não se expressar. As experiências, as frustrações, os anseios, as aspirações e os sonhos precisam ser compartilhados. São as vivências múltiplas que formarão um corpo. Um corpo a que podemos chamar de ação motivadora. E, com todos motivados, como professores cidadãos, será possível armar os primeiros embates. Calma, não se trata de aniquilar sistema algum, mas de alterá-lo, pois o sistema político não deveria existir para oprimir trabalhadores, mas sim para investir em todos, principalmente naqueles que investem nos outros: os professores.

Pois enquanto houver cambadas no poder, o professor será visto como um mero capacho; quando houver políticos no poder, o professor será visto como um agente da cidadania. Mas a mudança não vem das cambadas, e sim do professor.













sexta-feira, 19 de junho de 2015

AFINAL, QUANDO SÃO AS ELEIÇÕES?




A Globotucana não desiste. Agora criou o Sancho Pança brasileiro, com uma capa para voar a América do Sul na tentativa de trazer o golpe contra o PT de fora para dentro. Além de criar novelas, agora a Globotucana criou um herói que já caiu no humor dos quadrinhos: Aécio Neves. Ele montou sua equipe, foi à Venezuela usar o nariz de Pinóquio (daí outro personagem) para se intrometer numa questão que não permite ao Brasil e a nenhum país se intrometer. Podemos, sim, julgar o que faz Maduro, Obama ou qualquer outro presidente. Mas esse julgamento deve ser moral, político e não físico, a ponto de aterrissar no território dele e gritar: “Não faça isso!”. Mas sabemos que nosso “herói” Aécio está se lixando para presos políticos, pois se fosse seu interesse defender pessoas injustiçadas, começaria por aqui. Conte algum episódio em que ele defendeu alguém. Aécio, em se tratando de política, só sabe ficar na parte que joga pedra. Não nasceu para ter teto de vidro.
Mas o que ele foi fazer mesmo lá Venezuela?
Simples, tudo o que ocorre no Brasil atualmente, fora o que ocorre dentro do governo, tem como cérebro a Globotucana. PSDB e Globo ditam o projeto de retorno da direita ao poder, pelo descontentamento das atuações do governo em áreas que não são do interesse das classes média e alta. A crise por que passa o país não é eterna e deve terminar logo, ou seja, ainda antes das próximas eleições. Acontece que esse retorno do crescimento da forma como era antes (e vale lembrar que o país não deixou de crescer) desencadeará alguns fatores que reverterão a impopularidade de Dilma, afinal, ela não ganhou uma eleição com 90% de rejeição. Além do mais, o nome de Aécio ficou ofuscado enquanto a Globotucana e alguns grupinhos de mauricinhos e patricinhas iam às ruas gritar por impeachment e depois burlar os pontos nos seus empregos. Aliás, ele mesmo se acovardou e não foi marchar por democracia e contra a corrupção. Se a crise não é eterna nem de governo, e Dilma pode ascender nas pesquisas e o PT tem nome para propor em 2018, o impeachment seria a bola da vez para a direita não se desgastar nas próximas eleições e fazer o TSE realizar uma eleição em tempo hábil para projetar Aécio em plena crise, aproveitando o clima de revolta oba-oba das ruas. Seria a panaceia para os problemas de derrotas do PSDB nos últimos anos.
Acontece que o golpe não saiu. Mas por outro lado, ficou a cargo da Globotucana dar ênfase às denúncias de corrupção, apenas às que envolvem membros da base do governo. Observe que nenhum avanço positivo do governo ganha manchetes. Como a figura de Aécio, que pela sua própria natureza política é deformada, continua sem evidência no Brasil, a questão seria criar um fato de notoriedade internacional. Daí a repentina “preocupação” do PSDB com os presos políticos da Venezuela, coadunando com os interesses dos EUA. Mas a ida de Aécio não deveria ser só um vai e vem. Os tucanos sabiam que não seriam bem recebidos por lá. Se já contavam com a hostilização do país vizinho, então eles precisavam fazer o seguinte: projetar que, ao chegarem à terra de Maduro, foram hostilizados e tiveram que voltar impedidos de realizar a “missão de paz”. Na verdade, não seria em terras venezuelanas que deveria acontecer a encenação da peça principal, teria que ser no Brasil, pois esse fato deveria pôr o nome de alguém em oposição direta ao nome de Dilma/Lula. E qual nome? Claro, Aécio. E deu certo. A partir de agora o nome de Aécio passa a ter evidência midiática, já que ele não tem história política para mostrar, ele passa agora ao cenário da Globotucana como o herói que foi violentado na Venezuela enquanto defendia os direitos humanos – inclusive com entrada ao vivo direto do aeroporto em pleno Jornal da Globo. Não chegou a ser um impeachment, mas que foi uma cartada de mestre, isso foi.
Agora, um homem sem expressão política e totalmente ausente das causas sociais deste país passa a ser um personagem da Globo caricaturalmente bem montado, mas patético. Patético, pois é uma marionete a serviço do jogo que o PSDB e a Globo vêm articulando desde 2014 por conta de virem sofrendo derrotas nas últimas eleições presidenciais.
Embora pareça que o país viva o seu momento mais corrupto da história, na verdade ele passa pelo momento mais investigativo. O que deve acontecer e pelo que todos têm que lutar é para que todos os culpados sejam condenados e punidos, quem quer que seja. Então, a projeção de toda corrupção do Brasil sobre o PT e a santificação do PSDB não se trata de uma questão ética, moral ou mesmo política. Trata, sim, de eleições. Eleições que a Globotucana está antecipando. Por isso, se alguém quiser uma explicação sua sobre o que está acontecendo no nosso país, responda: são as eleições.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

COXINHAS: O MAU PRODUTO DA EDUCAÇÃO RETARDATÁRIA



Falhamos. Fracassamos. Envergonhamo-nos. Decepcionamo-nos. Nós. Nós que batemos no peito: professores! Ou mais ousados ainda: e-du-ca-do-res! Falhamos. Temos que assumir isso. Temos que nos envergonhar disso. É como se nada tivesse valido a pena. A nossa... a nossa alma foi pequena.
Era para termos ignorado a cartilha deles. Não deveríamos ter ficado nos verbos conjugados fora de todos os tempos, nos cálculos de probleminhas de matemática, nos desenhos ridículos de mapas do Brasil, nas experiências mesquinhas de combinações químicas, naquelas discussões fajutas sobre moral, república, Platão e não deveríamos ter decorado Camões, Manuel Bandeira ou termos perdido tanto tempo naquelas redações ridículas de “Como foram suas férias?”. Nossa! Quanta coisa não bastou. Nós nos bitolamos, fixamos o olhar para as coisinhas do ensino. E rezamos a cartilha direitinho. Nós ficamos de joelhos sempre. E ainda fizemos nossos alunos serem punidos, dando-lhes aquelas palmatórias (que, aliás, de nada serviram).
Quantos livros didáticos comemos? Quantas tabuadas foram compradas e decoradas a favor de imbecilidades? Quantos castigos foram dados em troca de um ensino de nada?
Nunca fomos professores de verdade. Só usamos essa palavra para firmar uma bandeira de luta. Uma luta que sempre perdemos. E ainda temos muito que perder. E por que pensar assim?
Simples.
Quantos imbecis de hoje não foram nossos alunos ontem? Quantos cretinos atuais não estiveram sob nossas ordens? Quantos ladrões republicanos não riram conosco em nossas salas? E eles se tornaram nossos chefes, nossos donos, nossos algozes. Assumiram o poder, estão no poder, e mudaram suas vidas roubando e criando leis idiotas, estúpidas, autoritárias, furadas, cheias de remendos para serem costurados conforme o interesse deles. Eles, os nossos ex-alunos. Não fomos capazes de educar os tais cidadãos de que falávamos e que fazíamos questão de escrever nas filosofias escolares. Não produzimos o animal político. Não produzimos os líderes de que falávamos. Foi um fracasso. E os bons? Os bons alunos... esses não chegaram lá. Resolveram ser como nós. E, sendo justos, foram e são injustiçados.
Nós não fizemos a devida interpretação dos fatos, não compreendemos corretamente o que diziam os verdadeiros filósofos (não falo de Platão, de grego nenhum, menos ainda romanos). Dizíamos que íamos alfabetizar (hoje dizemos “letrar”) nossas crianças para aprenderem a ler a vida, a serem cidadãos, a se reproduzirem criticamente e realizar a transformação social e política que poria o Brasil na realização de um sonho utópico: o da justiça social. Que nada. Banalizamos o ensino. Não chamamos a “missão” para nós, só o “trabalho”. Não fizemos as leituras que tínhamos que fazer, pelo menos do modo como deveríamos fazer. E nas universidades, só aprendemos a decorar Freud, Piaget, Valon, Emília Ferreiro e por aí vai. Fomos à luta com as mesmas armas com que entramos no nível superior. Ou seja, a universidade está corrompida igualmente os outros organismos, como as igrejas e as doutrinas. Foi só título. Antes os políticos (nossos ex-alunos!) temiam que um de nós fosse à faculdade. Hoje não faz diferença alguma. Eles, mesmo sem diploma, conseguem saber que por todos os meios estamos cerceados pelas vontades deles. O sistema é único. Nós, os professores (os e-du-ca-do-res!) é que somos células desconectadas e tão diferentes entre si.
Com a nossa alienação, fizemos um grande serviço ao sistema: ensinamos a ler, a escrever e isso automatizou as vítimas que hoje são chamadas de cidadãos. Sim, nós formamos os cidadãos. Eles estão por aí, leem, escrevem, e isso os torna aptos ao serviço da manutenção da ordem. Todos conhecem agora os seus direitos e deveres. Afinal, faz parte da decoreba, é tal como uma fórmula. E nosso papel fica nisto: mecanizar as mentes, tentar torná-las como as nossas. Em vão. Nossas mentes nunca saíram de nós. Nós só falamos para dentro.
Nós pensávamos que estávamos vendo o sistema de fora. Ilusão: estávamos no núcleo dele. Éramos nós que instrumentalizávamos as forças fracas de operários e vendávamos todos os civis para a continência à pátria violada e deitada eternamente nas casas de poder. Poder que nunca foi nosso. Mas que ajudamos a construir. Constituir? Nunca!
Qual político não foi um aluno? Qual deles nunca esteve ante nosso jugo? Todos. Mas o que eles fazem depois? Pagam a polícia (também nossos ex-alunos!) para nos prender e proteger a eles. Criam as leis que garantem seus privilégios milionários, tão longe da nossa realidade que nem chegam a pisar num hospital público para tomar sequer uma vacina. Que não deixam seus filhos estudarem em escola pública para não serem vítimas das migalhas que de lá caem. Que não viajam de ônibus. Nossa, quanta coisa nossa eles odeiam e lhes cheira mal. Somos o nojo dos políticos (nossos ex-alunos!). Quanta diferença em tudo! No salário nem se fala...
E eles criaram vida própria. Só descem do seu pedestal para usurpar nossos direitos e cobrar o nosso velho voto. Nossos ex-alunos.
Agora mudaram de religião. São globistas. Rede Globo falou, “tá falado”. E qual professor estará certo?
E hoje vemos ainda mais fatos que comprovam que falhamos na nossa educação. A educação estatal, não nossa. Nem sabemos mais qual é a nossa educação, se é que tivemos alguma. E não frearemos os resultados tão cedo da nossa falta de ação. Agora temos uns cidadãos chamados coxinhas. Eles, sim, representam uma educação padronizada, elitizada, formal, sabem tudo de direito constitucional. De história, então, nem se fala. São grandes exemplos de cidadania atualmente. São altamente midiáticos. Vão às ruas carregando seus filhos. Não praticam a incoerência, nem mesmo quando pedem democracia e ditadura ao mesmo tempo. Não podem ser vistos como loucos, arruaceiros, baderneiros, depredadores do patrimônio público. Aliás, quem seria o louco? Uma sociality com os seios de fora segurando uma imponente bandeira do Brasil e gritando “Fora Dilma!” (sem vírgula) ou um professor gritando “Paguem o piso!”? Depende. A Globo é que decide. Os coxinhas repetem e aí saberemos a resposta.
A atitude dos coxinhas não pode ser de todo negativa (retirando a ironia lá de cima). Afinal, era o principal exemplo que eu queria usar para comprovar que nós, enquanto professores (ou e-du-ca-do-res), falhamos. Coxinhas são um produto da educação que não soubemos dar. Enquanto só falávamos de Paulo Freire (aliás vi um cartaz “Fora Paulo Freire”) e de Carl Max só para exibir nossa decoreba da academia (nome chique para universidade), o capitalismo não perdia seu tempo. Como diz Padre Zezinho: “convencem mais cabeças do que o padre lá no altar”. Não deveria ter sido só uma teoria. Faltou levarmos à prática o que era socialismo, o que era Paulo Freire, o cristianismo de verdade, as culturas dos guetos e das favelas, dos sem-terra, dos ribeirinhos, dos índios, dos negros, tudo isso deveria ter entrado com força nas nossas práticas. Mas não. Só citamos, afinal não queríamos nos comprometer com doutrinas. Mas uma doutrina venceu: a do capitalismo. Hoje ela canta vitória. A Globo comemora 50 anos de pura vitória sobre tudo o que pensávamos que estávamos fazendo de diferente. Comparem o que ela incutiu nas cabeças dos brasileiros e o que nós pensamos que ensinamos aos alunos. Já antecipo: ela ganha. O que há de Globo e o que há de nós nas mentes deles? Perdemos de novo. Então ela comemora. Ela fez em 50 anos o que não fizemos em 500. Nunca se alienou tanto. Em curto espaço de tempo.
Os coxinhas? Bem, eles, há alguns anos estavam do lado de cá. Mas ascenderam economicamente. Eu disse “economicamente”. Hoje não se importam mais com o que ficou de fora do seu círculo de crescimento. Quando saltaram, recolheram a corda. Não olham para trás com equidade. Nem olham para trás. Eles passaram a idealizar uma bolha e colocaram dentro dela tudo o que ganharam e uma TV a cabo. E o que eles ganharam eles não concebem como fruto de um processo político e histórico. Para eles foi uma mágica, como os ricos ficam ricos nas novelas. E esses bens que eles têm agora começaram a ser conquistados por outros dos setores mais abaixo. Por conta disso, coxinha não suporta muitas coisas, e duas delas são: dividir o aeroporto e pagar direitos trabalhistas às domésticas. Há uma terceira que me ocorreu agora: odeiam bolsistas.
Os coxinhas são um produto do capitalismo, o sistema que nós não soubemos combater ou controlar. E dele apanhamos. E dele nos oportunizamos também para fazer nossas posses. Nós esperamos demais do Estado para ele providenciar os rumos da educação. E ele o fez. Aí está um dos produtos: os coxinhas. A nova mentalidade, ou mentalidade em satand by que agora vai às ruas exigir, cobrar, gritar e cantar o hino nacional. É uma alegoria, um exibicionismo, uma pobreza total de argumentos. Sim. Politicamente não se aprende nada com um coxinha, pois o que eles fazem é baseado nos impostos que pagam por conta de sua atual situação mui favorável. Eles foram às ruas mostrar que ascenderam e que querem um poder que olhe muito mais para eles e que reconheça isso.
Nós podemos até estranhar o que eles estão fazendo, mas se assustar nunca. Você, professor, compare o “que”, “como” e “por que” eles defendem o que defendem com o “que”, “como” e “por que” nós ensinávamos o que ensinávamos. Coerência? Nenhuma. Mas eles são nosso produto assim mesmo. Afinal, nós somos parte do sistema, somos engrenagem importante. Discordo quando dizem que o governo não investe no professor. Investe sim. O que o governo não faz é nos desamarrar do sistema, pois nós somos os que ensinamos a ler e a escrever. Só temos temor de ensinar a interpretar com compromisso. Seguimos perfeitamente a linha do “mostrar os dois lados”, a mesma coisa que a Globo faz, porém nós não assumimos lado nenhum, enquanto que ela o faz descaradamente.
Se a voz dos coxinhas não é a do país inteiro, mas de uma elite que se partidarizou e dramatiza ser livre de ideologia partidária, então o que esperar daqui para a frente? Não muita coisa que acrescente politicamente. Mas que se pode esperar mais atitudes que, com o apoio da Globo, podem se tornar inquietantes pelo número e não pela qualidade, isso sim pode e não será bom. Cada vez que forem às ruas e, mesmo com fundamentos afundados, mais a Globo pode vencer porque mobilizou mais “inconformados” e que, por conta disso, o governo deve ceder: ceder é sair, é fazer impeachment. E não precisa de base legal nem moral, basta que se aumente o número de pessoas nas ruas e que se expressem odiosamente. Ódio é o contrário de amor. Não ama, então deixa. Se os coxinhas não representam uma boa manifestação política para o país, o mais certo ainda é que na bola de cristal deles não aparece o que acontece com o Brasil depois que o PT sair. Mas eles querem o agora, e agora bradam que “Fora Dilma!” (sem vírgula) e “Fora PT!” (sem vírgula) já eliminam toda e qualquer corrupção. Aliás, para um coxinha, a corrupção começou com o Lula, o mesmo presidente que eles abraçaram e deram 85% de aprovação. Agora não presta mais. Mas eu me questiono: e se eles estiverem certos? Se dermos o impeachment de Dilma e eliminarmos o PT do mapa, findará a corrupção? Eu topo. Aí sobra PSDB, DEM, Agripino, Aécio, Marina Silva, Geraldo Alckmin, José Serra, Fernando Henrique...
Não! Os coxinhas não estão certos!
Espero que enquanto ficamos sabendo de tudo isso, possamos pensar no próximo produto que queremos oferecer de nós a uma sociedade justa, coerente, democrática (sem misturar com ditadura), inteligente, leitora dos fatos e não das paixões, amante de seus compatriotas e não odiosa e rancorosa sem causa.
Essa sociedade nasce de uma educação que não pode ser mais essa, uma educação derrotada pelo capitalismo e pelas demagogias da Rede Globo. Aliás, a Globo não precisa ser extinta, muito pelo contrário, ela deve estar firme para que possa ver, algum dia, que neste país nós fizemos uma educação para a real liberdade e não para a insanidade que insiste em se exibir sem rumo algum.