sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O professor no país dos coxinhas



Nas redes sociais muitos estão tentando jogar na cara dos coxinhas o seguinte: vocês foram enganados. E eu digo: nunca foram enganados! Um coxinha jamais se engana. Tudo foi meticulosamente planejado. A camisa amarela do Brasil, para indicar (falso) patriotismo; a bandeira do Brasil, para indicar a luta por uma (falsa) soberania nacional; o uso dos bonecos gigantes de Lula e Dilma, para mostrar (falsamente) que estavam querendo a prisão dos dois únicos corruptos do país; o uso do pato gigante, para indicar que eles não queriam (falsamente) pagar o pato sozinhos; a presença maciça na Avenida Paulista, para deixar bem claro (sem falsidade) que quem estava lutando (com falsidade) por um Brasil melhor era a elite brasileira; a concentração simbólica em frente à Fiesp, para mostrar (sem falsidade) que os interesses defendidos eram exclusivos de uma classe muito poderosa. As mulheres nuas e os velhos mostrando as... nossa, prefiro nem falar! Nada de Masp, nem Igreja da Sé. O verdadeiro poder para um coxinha vem da Paulista.
Viu só? Você acha que tudo isso não foi de caso pensado? Você ainda crê que um coxinha agiu por impulso? Nada disso. Não seja ingênuo.
Os coxinhas foram às ruas para obrigar os políticos a darem um golpe na democracia para que se estabelecesse justamente o programa de governo machista e podre que está aí. Não há uma vírgula fora do lugar se nos referimos ao que os coxinhas queriam. Foi a vitória de uma classe. Os coxinhas são uma classe vencedora. São uma classe opositora a todas as conquistas sociais de antes. Tudo que está sendo tirado dos programas sociais (como a PEC 241), tudo que está sendo dado aos outros países (como o pré-sal), toda a submissão aos interesses estrangeiros (como o FMI) não são ações (malditas) alheias ao que queriam os coxinhas. É este o projeto deles; não é o nosso, é claramente o deles. A única diferença é que nós implantamos o nosso via democracia, pelo voto, enquanto eles não quiseram esperar as urnas, porque sabiam que iriam perder. Só o golpe os levaria ao poder. E pelas eleições diretas? Talvez uns oito ou doze anos à frente.
Há um país coxinha sendo trazido de volta. Nós o interrompemos por muito pouco tempo. Eles assumiram por 502 anos; nós, por 13. E não sabemos quando voltaremos a ter o nosso projeto. E há tolos que acreditam que temos que pressionar o governo para que ele implemente as políticas sociais que são nossas, do povo. Outra ingenuidade. Eles não vão fazer isso nunca. O máximo que veremos serão faíscas, ou seja, uma assistência aqui, outra ali. Nunca serão programas. Serão remediações que ainda terão que ser aceitas pela Rede Globo, pela mídia banana que compõe este cacho.
No país dos coxinhas, as aprovações no Congresso ocorrem a todo vapor. São emendas e mais emendas que vão derrubando as conquistas sociais. Há uma crise que foi criada pela oposição (via Eduardo Cunha) dentro do governo Dilma, para derrubá-la do poder. E essa crise está sendo usada como fundo de um discurso sustentado pela mídia para implementar medidas duras contra o povo, como o congelamento de gastos com saúde e educação. Por vinte malditos anos! Mas só atingem o povo pobre mesmo. Não os coxinhas. Os efeitos dessas medidas diabólicas não são contra os coxinhas, pois isso seria uma ingratidão para com eles, mas são contra os mais carentes, os mais necessitados.
Os coxinhas vivem bem. Comem bem. Viajam de avião. Têm carros caros. Têm empregadas. Seus filhos têm bons planos de saúde, escolas particulares. Não enfrentam o SUS, não precisam de PROUNI, FIES, ENEM, PRONATEC, SISU, Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida. No país dos coxinhas, impera o falso moralismo, a falsa religiosidade, o assistencialismo, a política do esbanjamento, do aumento dos salários dos federais, dos seus juízes, da sua polícia, dos seus congressistas.
No país dos coxinhas, embora eles tenham seus herdeiros em escolas caríssimas, a educação pública segue os mesmos ditames da educação dada aos filhos deles, por isso não há espaço para Paulo Freire, para aulas sobre o socialismo, sobre Marx (a menos que seja para injuriá-los), sobre o puro cristianismo, sobre direitos cívicos, sobre temas transversais. É a educação colarinho, da fila comportadinha, do sapato lustrado, do aluno bitolado para o mundo crítico e aberto para o consumismo, para a aquisição dos bens fúteis do mercado dos bilionários.
Na educação dos coxinhas, tem que haver o repasse de saberes, a degustação dos materiais didáticos, o conteúdo encartilhado, em monoblocos; tem que acontecer os desfiles arrumadinhos para as autoridades aplaudirem, com a decoreba de poemas para a entrega de flores murchas, do hino nacional e das datas cívicas (com os nomes dos heróis imbecis montados em cavalos que eles nunca souberam adestrar).
Na educação coxinha, vale muito saber inglês, conhecer Hollywood e nunca saber onde fica Caracas. Valem as boas maneiras, repetir “Ordem e Progresso” e nunca ser subversivo, sempre dizer que o professor está certo, a menos que a nota seja baixa.
A educação que os coxinhas defendem, inclusive incumbiram Alexandre Frota para advogá-la, consiste em o aluno tomar uma pílula de farinha num dia e aguardar os seus efeitos num ano. Ou, numa linguagem do amigo açougueiro: encher muitas linguiças.
Está aí o campo da batalha. Perdemos. Não são nossos projetos que estão sendo discutidos e votados às pressas a ponto da iminência de um orgasmo dos deputados a cada aprovação. Mas é a nossa história, tudo o que construímos e que seria bom para todas as classes e gerações. Mas a nossa classe não lutou. Foi nosso mal. Achamos que a esquerda daria conta do recado. Que ela faria a implementação das políticas sem qualquer perseguição. Não nos demos conta de que Lula já era perseguido desde as eleições de 85 e de que nunca deveríamos ter nos descuidado da formação dita cidadã, crítica. Foi a geração que formamos mal que foi às ruas, à Paulista, exigir que a outra classe fosse subjugada, não tivesse mais ganho algum, que parasse de avançar nos ganhos sociais, pois esses mesmos ganhos consistiam numa certa reordenação conjuntural tanto política, quanto social. Houve uma sangria no status quo da elite brasileira. E ela não deixou barato. Enquanto nos encantávamos com os avanços que vinham sendo consolidados (não perfeitamente, mas vinham), a elite, que se espelha no chá das cinco, abriu o armário e sacou dele as panelas de prata e, enquanto a babá segurava os bebês, os patrões foram às ruas “lutar” contra os direitos e conquistas da classe dela.
Tínhamos diante de nós um desfile das nossas derrotas. Enquanto a elite se articulava e analisava a conjuntura para uma tomada de poder, nós achávamos que a educação que tínhamos oferecido daria conta de impedir uma reviravolta como a que houve. Tenho que concordar com Miriam Leitão (embora ela seja apoiadora do golpe) quando disse que Lula e Dilma chegaram isolados a essa situação. É bem verdade que eles têm muita culpa também, mas a nossa missão era maior que a deles. Afinal, seríamos a base. E não fomos. Enquanto os deputados do PMDB (paus-mandados do PSDB e do DEM – e todos da Globo) articulava o puxão do tapete de Dilma, os coxinhas estavam a postos para ir às ruas no momento certo. Já nós, confiamos que a articulação de Dilma e Lula nos poupariam de nos tirar do sofá. E pergunto: então, quem se articulou mesmo? Quem enganou a quem?
Golpe certeiro!
E estamos nós aqui. Professores! Pela frente (não me refiro ao futuro, mas à face), um governo que quer banir conteúdos escolares, congelar investimentos, cortar direitos sociais e retirar as “regalias” dos professores. É a opressão da educação socialista, e combatida pelos defensores do projeto Escola Sem Partido, que na verdade eles querem dizer escola sem socialismo, só com capitalismo mesmo. Nunca existiu, não existe e jamais existirá escola sem partido. E mais uma vez estamos vendo os coxinhas avançarem nesse projeto de troca de ideologia. Eles acham que o socialismo vence o capitalismo no âmbito educacional. Nada disso. Ambos coexistem. Mas um coxinha não vê o mundo de forma bilateral.
Nós professores ainda não deixamos a ficha cair: há uma batalha de classes instalada na república. Mas só há soldados de um lado. E nós assistindo de outro. Ou seja, os coxinhas querem uma escola que eles já têm. E fomos nós que a construímos. E enquanto eles travam essa luta deles contra nós, nós travamos outra: contra nós mesmos. Não afinamos as nossas ideologias. Embarcamos na escola transformadora e multicultural, mas houve uma dispersão de tendências que pensamos que estava resolvida numa pretensa unidade democrática de ensino. Não soubemos lidar com essa democracia do ensino, pois os conflitos ideológicos das forças sociais dentro da escola estavam em constante desequilíbrio. Nós vivemos a vaidade da conquista do poder e morremos para a consolidação dele. Os coxinhas estavam bem vivos nos dois. E nós ainda não sabemos qual é próximo momento.
Uma coisa é certa: nada de bom virá para a educação no país de coxinhas no poder. Haverá, sim, uma eliminação sumária de nossas poucas forças e estaremos sujeitos à constante perseguição à nossa imagem pelos pseudomoralistas. E quem diria, nossas esperanças estão em meia dúzia de deputados e senadores, em algumas organizações e imprensa internacional, mas não está em nós.
Contra tudo isso, é hora de convocar a revolução silenciosa, independente do que acontecerá em 2018, pois provavelmente não teremos Lula lá. Ou você acha que os coxinhas também não pensaram nisso?
Um primeiro passo é responder sinceramente às perguntas: eu estou de que lado? Eu sou um professor ou eu sou um professor no país dos coxinhas?
E não nos esqueçamos: nós ainda estamos no BRASIL!
(Mirinaldo)