O que é um orelhão? Simples. Orelhão é um telefone público
de péssima qualidade, que nunca funciona quando queremos e quando não queremos
não funciona do mesmo jeito. Ele prefere nem ouvir. Olha, ele tem um nome...
interessante! Orelhão é o aumentativo de... orelha! Então o orelhão é um nome
que nos representa muito bem. Esse órgão do nosso corpo tão importante, vital,
com cartilagem, com contato direto com o cérebro, que nos faz distinguir as
coisas, os sons, as vozes e, enfim, liga o mundo sonoro ao mundo da psicose
humana.
O orelhão tem um lado bom. Ele ouve tudo aquilo que nós não
queremos ouvir: os ruídos dos carros, as fofocas e aquelas conversas chatas
pelo zero oitocentos. E mais: ele vive sob o sol forte, sob a chuva forte e
fraca, sob o vento forte, sob o chute forte, sob aquele pontapé dado pelo rapaz
que exibiu sua virilidade para os outros, mostrando e ensinando como é que se
manda no pedaço. Isso mesmo, quem manda...”Quem manda sou eu”.
O orelhão é um símbolo. Ele é como uma bandeira, um brasão.
Onde há um orelhão, há uma representação dos que vivem ao redor dele. Acho que
orelhão deveria existir nos lugares mais longínquos, e em todos os lugares.
Todos deveriam viver perto de um orelhão. Assim, quando as pessoas, os
turistas, os estudiosos, os negociantes, os políticos, os famosos viessem nos
visitar, não seria necessário ficar perguntando como nós somos, como nos
comportamos, como vivemos. Bastaria olhar para um orelhão!
Daí, poderiam dizer que somos gentis, falamos mansamente, não
jogamos cascas de bombons no chão, não jogamos lixo de qualquer jeito nas ruas,
não ofendemos o nosso próximo, não dilaceramos o patrimônio público. Enfim,
daríamos um ar de respeito e admiração. E sabe como saberiam isso de nós?
Simples: pelo orelhão bonito, pintadinho, sem gancho pendurado, sem ferrugem,
ereto, firme, chamando nossa atenção e... funcionando!
Nossa, que povo educado! Quanta cidadania mora aqui! Isso é
um berço onde se cria uma boa e arrumada civilização!
Mas também, poderiam dizer o contrário: que cidadãos
incapazes, desordenados, sem amor à pátria gentil, sem apego às coisas
públicas. Nossa! Que horror, se pensassem assim.
Porém, orelhão é orelhão. E sendo uma parte desse nosso
corpo, ele consegue expressar justamente cada um de nós por inteiro. Isso: por
inteiro! O orelhão é do fundo da nossa alma. O orelhão é o que temos de
brasilidade, de história da nossa época de colônia, daquele tempo de nossos
reis dos banquetes. Nossa! Orelhão é muita coisa! Não dá de esgotar a essência
desse brasão que deveríamos estampar em nossas camisas. Aliás, tenho uma
reclamação: cadê as camisas e os bonés com a foto de um orelhão? Que empresas
sem criatividade!
Mas o orelhão...
Esse é brasileiro de verdade. Uma estátua sublimando a nossa
pátria. A nação do orelhão.
Mirinaldo, 26 de fevereiro de 2014.