quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

ORELHÃO




O que é um orelhão? Simples. Orelhão é um telefone público de péssima qualidade, que nunca funciona quando queremos e quando não queremos não funciona do mesmo jeito. Ele prefere nem ouvir. Olha, ele tem um nome... interessante! Orelhão é o aumentativo de... orelha! Então o orelhão é um nome que nos representa muito bem. Esse órgão do nosso corpo tão importante, vital, com cartilagem, com contato direto com o cérebro, que nos faz distinguir as coisas, os sons, as vozes e, enfim, liga o mundo sonoro ao mundo da psicose humana.
O orelhão tem um lado bom. Ele ouve tudo aquilo que nós não queremos ouvir: os ruídos dos carros, as fofocas e aquelas conversas chatas pelo zero oitocentos. E mais: ele vive sob o sol forte, sob a chuva forte e fraca, sob o vento forte, sob o chute forte, sob aquele pontapé dado pelo rapaz que exibiu sua virilidade para os outros, mostrando e ensinando como é que se manda no pedaço. Isso mesmo, quem manda...”Quem manda sou eu”.
O orelhão é um símbolo. Ele é como uma bandeira, um brasão. Onde há um orelhão, há uma representação dos que vivem ao redor dele. Acho que orelhão deveria existir nos lugares mais longínquos, e em todos os lugares. Todos deveriam viver perto de um orelhão. Assim, quando as pessoas, os turistas, os estudiosos, os negociantes, os políticos, os famosos viessem nos visitar, não seria necessário ficar perguntando como nós somos, como nos comportamos, como vivemos. Bastaria olhar para um orelhão!
Daí, poderiam dizer que somos gentis, falamos mansamente, não jogamos cascas de bombons no chão, não jogamos lixo de qualquer jeito nas ruas, não ofendemos o nosso próximo, não dilaceramos o patrimônio público. Enfim, daríamos um ar de respeito e admiração. E sabe como saberiam isso de nós? Simples: pelo orelhão bonito, pintadinho, sem gancho pendurado, sem ferrugem, ereto, firme, chamando nossa atenção e... funcionando!
Nossa, que povo educado! Quanta cidadania mora aqui! Isso é um berço onde se cria uma boa e arrumada civilização!
Mas também, poderiam dizer o contrário: que cidadãos incapazes, desordenados, sem amor à pátria gentil, sem apego às coisas públicas. Nossa! Que horror, se pensassem assim.
Porém, orelhão é orelhão. E sendo uma parte desse nosso corpo, ele consegue expressar justamente cada um de nós por inteiro. Isso: por inteiro! O orelhão é do fundo da nossa alma. O orelhão é o que temos de brasilidade, de história da nossa época de colônia, daquele tempo de nossos reis dos banquetes. Nossa! Orelhão é muita coisa! Não dá de esgotar a essência desse brasão que deveríamos estampar em nossas camisas. Aliás, tenho uma reclamação: cadê as camisas e os bonés com a foto de um orelhão? Que empresas sem criatividade!
Mas o orelhão...
Esse é brasileiro de verdade. Uma estátua sublimando a nossa pátria. A nação do orelhão.

Mirinaldo, 26 de fevereiro de 2014.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

QUADRINHA



 
_ Eita, mas tá quente!
_ Também, é meio-dia, cara, quer o quê?
_ Passa a bola pra cá, deixa de conversa mole!
_ Ei, eu quero formar meu time também.
_ Então traz aí teu pessoal.
_ Égua, moleque, mas como vocês aguentam esse calor?
_ Vixi!
_ Vamos jogar logo, deixa de frescura, cara! Põe logo as sandálias na tua trave.
_ Onde?
_ Ali, ó, de frente pras tábuas!
_ Que tábuas?
_ Ô, lerdo, aquelas com as propagandas. Põe lá as sandálias, antes que esquente mais esse piso.
_ Piso, não: curucuru!
_ Anda. Já armaram as traves?
_ Ainda não.
_ Mas por quê? Que diabos que tá faltando?
_ O cara ali, rapaz, foi buscar a bola que correu.
_ Correu pra onde?
_ Oxente, lá pra esquina da Aliança.
_ Lá vem ele!

_ Galera, é o seguinte: a bola furou.
_ Caracas, vei! Deve ter sido prego ali na esquina. E agora?
_ Passa lá na casa do carinha ali perto do Papy Dance. Diz pra ele emprestar a dele.
_ É, mas ele só empresta se ele jogar.
_ Que que tem, mano? Deixa o cara, ó!
_ Tá bom, mas ele joga mal demais.
_ Mas vou lá.
_ Aqui, ó. Tá aqui a bola do carinha.
_ E ele? Não quis jogar?
_ Quis não, doido. Ele disse que somos pirados de estar aqui queimando meio-dia com fome por causa de bola.
_ Ah, deixa ele pra lá. Coloca a bola no chão.
_ Ei, tem juiz não, hein?! Tá valendo! Chuta!
_ Passa!
_ Pega!
_ Toma!
_ Traz!
_ Para aí, cara!
_ Que foi?
_ O moleque aqui se machucou, ó!
_ Que que houve aí?
_ O moleque pisou nesse buraco aí e caiu. Torceu o pé.
_ Tá doendo muito?
_ Tá não. Vamos voltar pro jogo então.
_ Joga!
_ Passa aí!
_ Volta!
_ Avança!
_ Fecha lá!
_ Toca, cara*****!
_ Ei, cara, olha o nome aí!
_ O que foi?
_ O cara aí xingando, meu! Qual é?
_ Ei, rapaz, não xinga não. Fica firme aí, beleza?
_ Ok. Tá bom, tá bom...
_ Volta a bola. Tá valendo!
_ Chuta!
_ Passa!
_ Devolve!
_ Manda ver!
_ Vai!
_ Agora! Agora! Agora!
_ Gooooool!
_ Que gol, doido? O cara derrubou a sandália. Deu pra fora.
_ Que fora, meu, foi dentro, eu vi.
_ Viu nada, a bola passou e derrubou a sandália. Foi só isso.
_ Ei, moleque, deixa ser gol. Vamos continuar.
_ Ah, fala sério. Gol, nada. Maior roubalheira. Tô fora.
_ Eu também.
_ Xi, os caras amarelaram.
_ Amarelamos não, meu. Só não tô a fim de jogar mais. Muito sol agora. Esse piso tá fervendo. Tô brocado pra acabar de inteirar.
_ Vamos almoçar. À tarde a gente vem de novo.
_ À tarde é a vez dos caras grandes.
_ E à noite?
_ Esqueceu?
_ Esqueci o quê?
_ Aí, ó, maior desligado!
_ Sim, o que foi que eu esquecei? Não posso esquecer não?
_ Claro, mané. Hoje tem Forró da Integração das escolas. Vai ser aqui.
_ É mermo!
_ Xi, então os caras grandes nem vão jogar.
_ Por quê?
_ Porque vai ter ensaio hoje no horário deles. Depois vão ornamentar a quadra toda.
_ É mermo. Vamos almoçar então.
_ Ei, pessoal, vamos lá no cajueiro. Tem caju demais.
_ Ei, rapaz, a dona Pagoa vai brigar.
_ Briga não. Ela deve estar almoçando agora.
_ Então vamos passar lá.
_ Ei, mas será que vai ter luz pra cá hoje?
_ Vai sim.
_ Mas como? Ontem já teve desse lado.
_ Pois é, mas a prefeitura mandou ligar de novo pra cá, por causa do Forró.
_ Legal. Eu moro desse lado.
_ Ó o cara aí, ó!
_ Qual foi?
_ Ele tá certo. Só o filé pra assistir hoje.
_ É mermo. Depois do forró a gente vai pra tua casa assistir.
_ O problema é que a luz não demora. A gente nem assiste tudo.
_ Mas a gente assiste o que dá pra assistir.
_ Cara, minha mãe vai passar minha roupa ainda.
_ E daí?
_ É que eu tenho que passar lá na costureira, na dona Dora. Já deve tá pronta.
_ Nem adianta tu enfeitar tanto não.
_ Por quê?
_ Oxente! Poeira demais.
_ É mermo. Tirando essa capa selante, o resto é o maior pó!
_ Pode nem ventar, senão até as lâmpadas da quadra se apagam.
_ Aí é melhor!
_ Melhor por quê?
_ Pra namorar, meu! Ó o cara, se finge de lerdo!
_ Pior!
_ Hoje eu fico com a mina lá da outra sala. Ela tá de olho em mim.
_ Qual?
_ Falo nada! Já quer me azarar o cara, olha!
_ Ei, rapaz, fala aí quem é!
_ Tá bom. É a novata.
_ Caracas, vei! É mermo?
_ Tá com tudo, hein?!
_ Calma! Ainda vou mandar um recado pra ela. Vou mandar um bilhetinho.
_ Tu não sabe nem escrever direito, vai mandar bilhetinho!
_ Ei, se liga. Minha amiga vai escrever pra mim e vai dizer que fui eu.
_ É. Cê é o cara mesmo! Botei fé!
_ E onde tu vai se encontrar com ela?
_ Rapaz, vou mandar ela me esperar ali no Seu Mineiro.
_ Ei, rapaz, na esquina do Cordovil é melhor!
_ Tem a esquina do Badu também.
_ Será? Vou ver isso aí depois.
_ Xiii...
_ Qual foi agora?
_ Olha ali.
_ O quê?
_ Chuva, mano!
_Oba!
_Legal!
_ Caracas, vei!
_ Vamos voltar?
_ Vamos?
_ E o almoço?
_ Eu tô sem fome. E tu?
_ Eu também. E tu?
_ Eu também!
_ Então vamos lá!
_ Ei, vamos correr na quadra toda!
_ Vamos, depois a gente pula nas poças quando elas encherem! Vocês não acham?
_ É mermo!


Mirinaldo, 25 de fevereiro de 2014.