Desde o ano passado (2012) que
escuto dizerem que a festa de maio vai acabar, que o padre é contra a tradição,
que sem bebida não há festa e que tão logo serviriam suco de groselha e pronto:
fim de festa.
Conversa fiada. Tudo lorota. Tudo
balela.
Houve a festa em 2012 e também neste
ano. Aliás, melhoraram muito com a inclusão da corda. A procissão foi linda.
Animada. Muita gente. Muitos hinos. Houve a procissão fluvial, a subida do
mastro, a homenagem dos foliões, houve até pessoas vestidas com camisas
homenageando sua padroeira. Foram feitas as celebrações religiosas nas
comunidades, na igreja, todas as missas foram celebradas. Houve ainda o arraial
na barraca, com vendas de comidas típicas, música ao vivo, leilões, muitas famílias
reunidas, bingos, danças.
Então, houve ou não houve a festa de
maio?
Claro que sim! Só um cego (e bota
cego nisso!) não vê, não aceita, não admite.
Ou festa de maio não é assim?
Ah!
Entendi. Esqueci-me de abordar um
ponto. Um pontinho. A questão da bebida alcoólica que o nosso “carrasco” padre
Vicente retirou do arraial na barraca com o propósito de não fazer apologia a
um item tão disseminado em nossa cidade entre jovens e crianças: bebida. Muita
bebida.
Mas vejo aí já um problema de
conceito. Sim, pois, primeiro, um padre não faz uma igreja. Ele pertence a uma
igreja. Nesse caso, se foi decidido não se vender bebida alcoólica na barraca,
então pessoas (não o padre sozinho) fizeram essa escolha. Essas pessoas têm
nome: Conselho Paroquial. Ou seja, representações de várias comunidades de base
da igreja. Pode o Conselho não ter sido unânime. Mas a maioria votou por não
vender cerveja. Outro nome a isso: democracia.
Acusar o padre de ser um
“exterminador” da cultura é leviano e denota altíssimo grau de ignorância
religiosa (que se junta à já velha ignorância social e política que temos).
Mas essa não é a maior ignorância. A
pior é esta: o reducionismo e a deturpação do conceito de cultura religiosa. As
pessoas (algumas) andam espalhando ideias sem fundamento ao dizerem que a festa
de maio vai acabar, porque não se vende mais bebida na barraca e que era o
álcool que chamava as pessoas.
Ora bolas! O álcool correu solto ao
redor da barraca. E antes que alguém tente me desmentir, é bom lembrar que
sempre, em todos os festejos de maio houve vendas alternativas de álcool no
entorno do arraial. E que sempre as pessoas consumiram dentro e fora da barraca
(pelo menos antes de 2012). Ou seja, se o álcool não estiver entre as paredes
da barraca da santa, então a festa de maio vai acabar?
Balela!
Quem bebeu nunca passou a beber (nem
deixar de beber) por conta de álcool em arraial (Muitos aprendem a beber é em
casa mesmo). Além do mais, há um grande desrespeito para com o que é o centro
da festa: a fé das pessoas em sua padroeira. Elas sempre fizeram a festa
acontecer, mesmo quando outros tantos só iam se esbaldar de cerveja e exigir
seus nomes gritados em grandes leilões. Essas pessoas sempre estiveram perdendo
seu sono, deixando suas famílias para pernoitarem o tempo necessário para
atender a todos que fossem à barraca (beber ou não). Enquanto centenas e centenas
de pessoas só veem (e isso eu acho que veem) alguma coisa do catolicismo uma
vez por ano e ainda têm a petulância de dizerem que a festa vai acabar. E por
causa de álcool, algo que nunca vai deixar de existir nas prateleiras e nos
freezeres dos botecos e das danceterias.
Quanto desrespeito a homens e
mulheres que carregam a imagem de sua padroeira pelas ruas, que acendem suas
velas, que pagam suas promessas, que celebram todos os domingos, que pagam suas
ofertas e seus dízimos para não deixarem a sua igreja enfraquecer. E aí aparece
meia dúzia de gatos pingados dizendo que a festa vai acabar. Então os devotos
de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos são vistos como o quê? Pessoas sem ânimo,
que não sabem fazer festa? Pessoas sem cultura, porque não vendem mais bebida
alcoólica? Que os que sabem o que é uma festa de maio são os que se debruçam
sobre as mesas, porres e sem noção de nada diante dos filhos e da sociedade?
Então agora quem faz a festa de maio e fica tomando refrigerante na barraca é
careta? Os da “social”, os “chiques” são os que querem beber lá dentro?!
Faça-me o favor!
Mas por outro lado, eu até entendo
algumas coisas. Uma delas, por exemplo, é o fato de o que acontece na barraca
durante os arraiais (poucas pessoas e baixo consumo) ser um reflexo, ou uma
extensão mesmo daquilo que não acontece mais (se é que aconteceu alguma vez)
entre as pessoas: a celebração. Achamos que celebração é um espetáculo, mas o
padre e seus ajudantes são os artistas, nós somos só espectadores; tipo pagamos
para ver um show. Ou seja, não nos envolvemos com nada do religioso, porque
queremos ficar vendo e não realizando. Vamos comprar bebida, o que mais o padre
quer? Muitos dizem até “Espero que a festa...”, ou seja, espera. Que católicos
somos nós? Daqui a pouco vamos dizer “Espero que Deus resolva...”.
Os que reduziram toda uma festa
religiosa a uma lata de cerveja refletem outros problemas. Sofrem de outros
males.
Como o povo brasileiro aprendeu a
conviver com certas conveniências, então é simples para ele a arte de
generalizar. Se uma mulher veste roupa curta, então é mal vista, não é um bom
exemplo; se alguém se veste bem, então já quer se aparecer; se alguém muda a
fala, então já está sendo sonso; se alguém bebe muito, então não tem
responsabilidade; se alguém errar a pronúncia de uma palavra, então não sabe
português; se alguém isso, então aquilo. Ou seja, um deslize ou um simples ato
já são suficientes para derrubar alguém por inteiro, pela sua vida toda. E quem
determina isso? Onde está a lei que orienta isso?
Está nos costumes. Isso é histórico.
O exibicionismo dos modismos europeus do Brasil Colonial deixaram-nos essa
péssima herança de olhar o sapato da pessoa e nunca querer saber quem ela é de
verdade.
Na política, algo semelhante
acontece. Um voto pode custar só uma camisa, uma dúzia de tábuas, um botijão,
uma passagem, uma cesta básica e até uma lata de cerveja. Ou melhor, vemos a
política da forma da politicalha (pelas coisinhas insignificantes, mesquinhas,
empobrecedoras, lastimáveis) e não pelo grande papel que ela deve exercer. Não
olhamos nossa rua, olhamos o nosso portão; não olhamos a educação, olhamos para
o nosso salário; não olhamos para a saúde, olhamos para diversão. Somos
reducionistas. Somos o apelo ao mínimo, ao mesquinho. E se esse mínimo, se esse
mesquinho não forem atendidos, então começamos a dizer que as coisas maiores
não significam nada, que não servem, que têm que acabar.
O vitoriense (alguns) está se
comportando na religião da mesma forma que atua social e politicamente. E vá o
padre falar de um problema social que todos já caem em cima dele criticando,
dizendo que ele não está fazendo seu trabalho, que já está misturando política
com religião.
Quem aí me separa esses dois ramos
de modo que eles fiquem puros?
É um desafio.
Há ainda os que podem dizer que
Vitória recebeu muitas pessoas, mas não foram para a barraca, que lá estava um
deserto. Viu? De novo discriminando os que, de bom coração, foram prestigiar o
arraial. Mas eu pergunto: e daí que não foram para a barraca? Também não foram às celebrações,
não foram às reuniões, não foram às novenas, não foram às missas, não foram às
procissões, não foram aos eventos pastorais. Alguém aí pode reclamar disso
também?
Ninguém?
Então é melhor ampliar a visão de
novo. Mais um esforço para não reduzir os sacramentos da igreja e a fé de todos
os católicos a... uma lata de cerveja!
Daqui a pouco vão querer que a
igreja aceite dízimo dentro de uma lata de Skol.
Desculpem minha sinceridade, mas
ignorância tem limite, generalização também. E falta de argumentos, pior ainda.
É certo que a igreja precisa muito
avançar, mas todos nós, em nossas igrejas, temos que ir lá dizer e fazer alguma
coisa. Ficar sentado à mesa do arraial zombando do padre ou do lado de fora
cuspindo bafo de cerveja com conceitos imorais passa absurdamente longe do
propósito cristão.
Em Gurupá, fiquei sabendo, não se
vende bebida alcoólica no salão paroquial, mas nem por isso as pessoas deixam
de ir prestigiar seu padroeiro. Soube que em outras cidades aqui perto também.
Como isso não se aplica a Vitória do Xingu? O que o vitoriense tem de tão
especial a ponto de virar as costas para a barraca da santa? Bebida? Seria
bebida o nosso grande patrimônio cultural e religioso? Quer dizer que por trás
de todos os eventos e programas do município o que de fato se esconde é bebida?
Fala sério!
Isso é o mesmo que ter o NADA como
algo que achamos ser tudo. Reducionismo puro!
Então, deixemos a birra de amadores
no assunto e vamos nos focar em procurar contribuir para o bem de outras coisas
urgentes e necessárias no nosso município, nas nossas vidas, nas nossas
famílias, no nosso interior, pois o sacrifício de Cristo é algo alto demais em
significado espiritual para alguns homens ébrios chegarem e determinarem que
cerveja resolve.
Se resolve, por que ainda vivemos
assim, cheios de problemas?
Alguém tem uma cerveja aí que
resolva isso?
Mirinaldo, 26 de maio de 2013.