domingo, 26 de maio de 2013

FIM DA FESTA DE MAIO?





Desde o ano passado (2012) que escuto dizerem que a festa de maio vai acabar, que o padre é contra a tradição, que sem bebida não há festa e que tão logo serviriam suco de groselha e pronto: fim de festa.

Conversa fiada. Tudo lorota. Tudo balela.

Houve a festa em 2012 e também neste ano. Aliás, melhoraram muito com a inclusão da corda. A procissão foi linda. Animada. Muita gente. Muitos hinos. Houve a procissão fluvial, a subida do mastro, a homenagem dos foliões, houve até pessoas vestidas com camisas homenageando sua padroeira. Foram feitas as celebrações religiosas nas comunidades, na igreja, todas as missas foram celebradas. Houve ainda o arraial na barraca, com vendas de comidas típicas, música ao vivo, leilões, muitas famílias reunidas, bingos, danças.

Então, houve ou não houve a festa de maio?

Claro que sim! Só um cego (e bota cego nisso!) não vê, não aceita, não admite.

Ou festa de maio não é assim?

Ah!

Entendi. Esqueci-me de abordar um ponto. Um pontinho. A questão da bebida alcoólica que o nosso “carrasco” padre Vicente retirou do arraial na barraca com o propósito de não fazer apologia a um item tão disseminado em nossa cidade entre jovens e crianças: bebida. Muita bebida.

Mas vejo aí já um problema de conceito. Sim, pois, primeiro, um padre não faz uma igreja. Ele pertence a uma igreja. Nesse caso, se foi decidido não se vender bebida alcoólica na barraca, então pessoas (não o padre sozinho) fizeram essa escolha. Essas pessoas têm nome: Conselho Paroquial. Ou seja, representações de várias comunidades de base da igreja. Pode o Conselho não ter sido unânime. Mas a maioria votou por não vender cerveja. Outro nome a isso: democracia.

Acusar o padre de ser um “exterminador” da cultura é leviano e denota altíssimo grau de ignorância religiosa (que se junta à já velha ignorância social e política que temos).

Mas essa não é a maior ignorância. A pior é esta: o reducionismo e a deturpação do conceito de cultura religiosa. As pessoas (algumas) andam espalhando ideias sem fundamento ao dizerem que a festa de maio vai acabar, porque não se vende mais bebida na barraca e que era o álcool que chamava as pessoas.

Ora bolas! O álcool correu solto ao redor da barraca. E antes que alguém tente me desmentir, é bom lembrar que sempre, em todos os festejos de maio houve vendas alternativas de álcool no entorno do arraial. E que sempre as pessoas consumiram dentro e fora da barraca (pelo menos antes de 2012). Ou seja, se o álcool não estiver entre as paredes da barraca da santa, então a festa de maio vai acabar?

Balela!

Quem bebeu nunca passou a beber (nem deixar de beber) por conta de álcool em arraial (Muitos aprendem a beber é em casa mesmo). Além do mais, há um grande desrespeito para com o que é o centro da festa: a fé das pessoas em sua padroeira. Elas sempre fizeram a festa acontecer, mesmo quando outros tantos só iam se esbaldar de cerveja e exigir seus nomes gritados em grandes leilões. Essas pessoas sempre estiveram perdendo seu sono, deixando suas famílias para pernoitarem o tempo necessário para atender a todos que fossem à barraca (beber ou não). Enquanto centenas e centenas de pessoas só veem (e isso eu acho que veem) alguma coisa do catolicismo uma vez por ano e ainda têm a petulância de dizerem que a festa vai acabar. E por causa de álcool, algo que nunca vai deixar de existir nas prateleiras e nos freezeres dos botecos e das danceterias.

Quanto desrespeito a homens e mulheres que carregam a imagem de sua padroeira pelas ruas, que acendem suas velas, que pagam suas promessas, que celebram todos os domingos, que pagam suas ofertas e seus dízimos para não deixarem a sua igreja enfraquecer. E aí aparece meia dúzia de gatos pingados dizendo que a festa vai acabar. Então os devotos de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos são vistos como o quê? Pessoas sem ânimo, que não sabem fazer festa? Pessoas sem cultura, porque não vendem mais bebida alcoólica? Que os que sabem o que é uma festa de maio são os que se debruçam sobre as mesas, porres e sem noção de nada diante dos filhos e da sociedade? Então agora quem faz a festa de maio e fica tomando refrigerante na barraca é careta? Os da “social”, os “chiques” são os que querem beber lá dentro?!

Faça-me o favor!

Mas por outro lado, eu até entendo algumas coisas. Uma delas, por exemplo, é o fato de o que acontece na barraca durante os arraiais (poucas pessoas e baixo consumo) ser um reflexo, ou uma extensão mesmo daquilo que não acontece mais (se é que aconteceu alguma vez) entre as pessoas: a celebração. Achamos que celebração é um espetáculo, mas o padre e seus ajudantes são os artistas, nós somos só espectadores; tipo pagamos para ver um show. Ou seja, não nos envolvemos com nada do religioso, porque queremos ficar vendo e não realizando. Vamos comprar bebida, o que mais o padre quer? Muitos dizem até “Espero que a festa...”, ou seja, espera. Que católicos somos nós? Daqui a pouco vamos dizer “Espero que Deus resolva...”.

Os que reduziram toda uma festa religiosa a uma lata de cerveja refletem outros problemas. Sofrem de outros males.

Como o povo brasileiro aprendeu a conviver com certas conveniências, então é simples para ele a arte de generalizar. Se uma mulher veste roupa curta, então é mal vista, não é um bom exemplo; se alguém se veste bem, então já quer se aparecer; se alguém muda a fala, então já está sendo sonso; se alguém bebe muito, então não tem responsabilidade; se alguém errar a pronúncia de uma palavra, então não sabe português; se alguém isso, então aquilo. Ou seja, um deslize ou um simples ato já são suficientes para derrubar alguém por inteiro, pela sua vida toda. E quem determina isso? Onde está a lei que orienta isso?

Está nos costumes. Isso é histórico. O exibicionismo dos modismos europeus do Brasil Colonial deixaram-nos essa péssima herança de olhar o sapato da pessoa e nunca querer saber quem ela é de verdade.

Na política, algo semelhante acontece. Um voto pode custar só uma camisa, uma dúzia de tábuas, um botijão, uma passagem, uma cesta básica e até uma lata de cerveja. Ou melhor, vemos a política da forma da politicalha (pelas coisinhas insignificantes, mesquinhas, empobrecedoras, lastimáveis) e não pelo grande papel que ela deve exercer. Não olhamos nossa rua, olhamos o nosso portão; não olhamos a educação, olhamos para o nosso salário; não olhamos para a saúde, olhamos para diversão. Somos reducionistas. Somos o apelo ao mínimo, ao mesquinho. E se esse mínimo, se esse mesquinho não forem atendidos, então começamos a dizer que as coisas maiores não significam nada, que não servem, que têm que acabar.

O vitoriense (alguns) está se comportando na religião da mesma forma que atua social e politicamente. E vá o padre falar de um problema social que todos já caem em cima dele criticando, dizendo que ele não está fazendo seu trabalho, que já está misturando política com religião.

Quem aí me separa esses dois ramos de modo que eles fiquem puros?

É um desafio.

Há ainda os que podem dizer que Vitória recebeu muitas pessoas, mas não foram para a barraca, que lá estava um deserto. Viu? De novo discriminando os que, de bom coração, foram prestigiar o arraial. Mas eu pergunto: e daí que não foram para a barraca? Também não foram às celebrações, não foram às reuniões, não foram às novenas, não foram às missas, não foram às procissões, não foram aos eventos pastorais. Alguém aí pode reclamar disso também?

Ninguém?

Então é melhor ampliar a visão de novo. Mais um esforço para não reduzir os sacramentos da igreja e a fé de todos os católicos a... uma lata de cerveja!

Daqui a pouco vão querer que a igreja aceite dízimo dentro de uma lata de Skol.

Desculpem minha sinceridade, mas ignorância tem limite, generalização também. E falta de argumentos, pior ainda.

É certo que a igreja precisa muito avançar, mas todos nós, em nossas igrejas, temos que ir lá dizer e fazer alguma coisa. Ficar sentado à mesa do arraial zombando do padre ou do lado de fora cuspindo bafo de cerveja com conceitos imorais passa absurdamente longe do propósito cristão.

Em Gurupá, fiquei sabendo, não se vende bebida alcoólica no salão paroquial, mas nem por isso as pessoas deixam de ir prestigiar seu padroeiro. Soube que em outras cidades aqui perto também. Como isso não se aplica a Vitória do Xingu? O que o vitoriense tem de tão especial a ponto de virar as costas para a barraca da santa? Bebida? Seria bebida o nosso grande patrimônio cultural e religioso? Quer dizer que por trás de todos os eventos e programas do município o que de fato se esconde é bebida?

Fala sério!

Isso é o mesmo que ter o NADA como algo que achamos ser tudo. Reducionismo puro!

Então, deixemos a birra de amadores no assunto e vamos nos focar em procurar contribuir para o bem de outras coisas urgentes e necessárias no nosso município, nas nossas vidas, nas nossas famílias, no nosso interior, pois o sacrifício de Cristo é algo alto demais em significado espiritual para alguns homens ébrios chegarem e determinarem que cerveja resolve.

Se resolve, por que ainda vivemos assim, cheios de problemas?

Alguém tem uma cerveja aí que resolva isso?


Mirinaldo, 26 de maio de 2013.